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As dores e as lições de uma avó admirável

Perpetuar as histórias de nossos antepassados pode ser uma maneira não apenas de manter viva a memória deles, mas também de entender quem somos. No caso do paulista Marcelo Gewertz, a profunda afeição pela avó paterna resultou em documentário e site que contam em detalhes a dolorosa trajetória de uma jovem polonesa que sobreviveu a cinco campos de concentração nazistas. Mais tarde, ela veio morar em São Paulo, onde teve o filho que lhe deu esse neto e outros três. E é ela própria quem narra no filme os horrores que enfrentou.

“É a pessoa mais forte que eu conheci e provavelmente que vou conhecer”, diz Marcelo. “É a pessoa que mais admiro.”

Em 1940, dona Cecília – orginalmente Cyrla Dwojra Rybitwer – tinha 17 anos e estava comemorando a Páscoa judaica com os pais e irmãos quando teve a casa invadida por nazistas. Eles foram expulsos e forçados a se abrigar num gueto da cidadezinha onde viviam, Sandomierz. Cecília acabou se perdendo da família, que teve doze membros mortos no Holocausto. Ela e um irmão foram os únicos sobreviventes, mas só se reencontrariam mais tarde.

Foram cinco anos em campos de concentração na Polônia e na Alemanha. Nos dois que passou em Auschwitz, Cecília chegou a ser cobaia de um experimento do médico Josef Mengele. A fome e o frio eram cruéis inimigos. Ela chegou a pesar 24 quilos. E foram muitos os trabalhos forçados e as atrocidades que testemunhou. Em 1945, finalmente foi libertada e enviada para a Suécia, onde conheceu Simon Gewertz, também sobrevivente, com quem se casaria. Em 1952, os dois embarcaram num navio para o Brasil, onde ele tinha parentes.

 

HOMENAGEM E FERRAMENTA EDUCACIONAL

Marcelo tinha 19 anos quando meteu na cabeça que precisava registrar a história da avó, em 2014. Ajudado por um de seus irmãos, foi à casa dela e gravou uma hora e meia de conversa. Quatro anos depois, dona Cecília faleceu, aos 96 anos. “Eu pensei, e agora? Quem vai contar a história dela?”, relembra o neto. Meses depois, ele começou a transformar esse material em filme.

Durante 44 minutos, ouve-se dona Cecília narrando em off episódios de sofrimento, em meio à exibição de uma sucessão de fotos – imagens dramáticas de prisioneiros judeus, mas também recordações de álbum de família. A descrição de atrocidades é entremeada por frases como “O que eu sofri ninguém vai entender”, “Eu chorava o dia inteiro”, “Cada dia que deito eu me lembro de uma coisa”.

Em março do ano passado, a pandemia começava quando Marcelo – formado em publicidade e especialista em marketing digital – decidiu ampliar seu projeto e produzir o site Sobreviver o Holocausto. Ali se tem acesso ao filme e ao rico material que ele reuniu sobre o passado da avó, fuçando bancos de dados e outras fontes na internet. “Uso a história dela para homenageá-la e também como uma ferramenta educacional”, diz.

O projeto só faz crescer. Este mês, terá início uma série de lives com sobreviventes do Holocausto. O primeiro convidado é o único brasileiro nato que resistiu à perseguição nazista, Andor Stern.

Marcelo guarda muitas lições da avó – “ela era um aprendizado diário”, afirma. A primeira delas é valorizar a família. Outra, a de que o dinheiro não é a coisa mais importante na vida. Basta o suficiente para ter uma vida confortável, dizia a avó. Certamente por todos os traumas vividos, dona Cecília também dizia que, embora seja preciso ter um senso de coletividade, às vezes é preciso pensar primeiro em si mesmo para sobreviver. E nunca desistir de lutar.

Bruno Casotti é jornalista e tradutor. 

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