Se o ser humano já chegou a consumir 10 mil variedades de plantas, este número caiu para 170 nos últimos cem anos, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Entre os inúmeros vegetais comestíveis estão as chamadas plantas alimentícias não convencionais (Pancs), que muita gente desconhece. Grande parte delas pode ser encontrada – e cultivada – em centros urbanos. Na cidade de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, biólogos da Universidade Federal Fluminense (UFF) vêm estudando com afinco as Pancs justamente com o intuito de disseminar informações sobre o fácil acesso a essas plantas, bem como sobre seu valor nutritivo.
Um exemplo de Panc é a beldroega, também conhecida como onze-horas, por conta do horário em que as pétalas de sua flor desabrocham sob o calor do sol. Entre seus inúmeros benefícios à saúde, ela é excelente fonte de ômega 3, tem poder antioxidante e ainda uso medicinal. Pode ser encontrada e cultivada com facilidade, mas atenção: é diferente da onze-horas ornamental, que não é comestível. A beldroega tem um sabor parecido com o do espinafre e pode ser utilizada em saladas, sopas, molhos e massas.
Os pesquisadores do departamento de biologia da UFF dizem que as Pancs são boas alternativas para o que chamam de “monotonia alimentar” e que o estudo visa a valorizar a flora brasileira. Trata-se de um trabalho idealizado pela professora Odara Boscolo, quem tem difundido as Pancs em escolas, feiras e comunidades, bem como em redes sociais dedicadas à difusão de pesquisas.
A divulgação do consumo de Pancs, segundo Odara, “privilegia famílias de baixa renda, por serem plantas espontâneas e, portanto, com baixo ou nenhum custo.” Para a bióloga, essas espécies se tornam ferramentas de valorização da biodiversidade local e contribuem para a saúde de ecossistemas naturais. Como crescem facilmente, muitas vezes acabam desprezadas e consideradas mato. Quem poderia imaginar, por exemplo, que as folhas do decorativo hibisco são ricas em ferro, e suas pétalas, em antioxidantes?
JARDIM DE PANCS NO CENTRO DO RIO
Em seus estudos, a equipe do projeto Pancs UFF inclui um breve histórico de cada planta, as características morfológicas para sua identificação, o modo de propagação, os usos alimentícios e medicinais e ainda uma receita para degustar cada espécie. As informações constam de cartilhas distribuídas gratuitamente em eventos. Os pesquisadores também criaram jogos didáticos interativos para aproximar o público desses alimentos saudáveis.
As propriedades e a facilidade de cultivo de Pancs são constatadas no Jardim de Chuva, criado na Fundição Progresso (fechada durante a pandemia), em plena Lapa, bairro boêmio no centro da cidade do Rio de Janeiro. O jardim é mantido por integrantes da Organicidade, uma rede dedicada à regeneração de ambientes, com o intuito de melhorar a vida nas cidades.
Daniel Gabrielli, um dos fundadores da Organicidade, descreve o jardim: “É mais um trabalho que realizamos para aliar a agricultura urbana às soluções da natureza. São 5 mil Pancs de 87 espécies diferentes, portanto bem biodiversas, que filtram e absorvem a água da chuva.” Segundo ele, trata-se de uma experiência essencial para a sobrevivência dessas espécies, bem como para a drenagem local, já que as plantas ajudam a reduzir os efeitos das frequentes enchentes na Lapa.