Interpretada na Antiguidade como um dom divino, a criatividade passou mais tarde a um outro extremo, sendo associada a aspectos psicopatológicos. Defendia-se, por exemplo, que a genialidade pressupunha a presença da loucura. A partir dos séculos 17 e 18, a aproximação entre cultura, arte e ciência favoreceu o avanço do conceito de criatividade, que nas últimas décadas passou a ser ainda mais valorizada para o desenvolvimento completo e sadio do ser humano.
Essa breve análise histórica é extraída de um estudo realizado por três psicólogas da PUC-Campinas (SP), considerada o maior centro de pesquisas sobre criatividade do Brasil. As autoras – Solange Muglia Wechsler, Karina da Silva Oliveira e Tatiana de Cássia Nakano – identificam uma recente mudança de paradigma na relação entre criatividade e saúde mental proporcionada pela psicologia positiva, que foca na valorização dos aspectos sadios do indivíduo.
Solange, Karina e Tatiana engrossam o coro cada vez maior de especialistas empenhados em demonstrar que a criatividade melhora a saúde mental. Esses profissionais atentam também para a ideia equivocada de que criatividade é um privilégio de pessoas especiais quando, na verdade, pode ser exercida e exercitada por qualquer ser humano.
Autora de romances, roteiros, canções e poemas, a americana Julia Cameron exerce ainda a função de professora: ensina pessoas dos mais diversos campos profissionais a serem criativas, o que faz também em seus livros. O mais conhecido é O caminho do artista (Sextante), um guia para a criatividade com dez princípios básicos, sendo o primeiro deles “Criatividade é a ordem natural da vida. Vida é energia – pura energia criativa.”
Cameron sugere caminhos para desbloquear a criatividade. Um deles é preencher três páginas matinais com o fluxo do pensamento, de maneira intuitiva. Outro, uma experiência semanal capaz de despertar emoções, seja visitar o jardim zoológico ou desenhar com lápis de cor. E em seu novo livro, The Listening Path: The Creative Art of Attention, ela acrescenta outra ferramenta importante: ouvir.
“As pessoas sempre me perguntam como eu continuo a ser tão prolífica, e minha resposta é ‘eu escuto’. E eu ‘ouço’ o que devo fazer em seguida”, disse Cameron à BBC. Ela recomenda escutar os outros, o ambiente, os ancestrais, o silêncio e a si mesmo.
CARTILHA PARA MANTER A SAÚDE MENTAL
Na PUC-Campinas, professores do Grupo de Avaliação Psicológica do Potencial Humano lançaram no ano passado a cartilha “Criatividade e Saúde Mental em Tempos de Pandemia” (clique aqui para baixar). O projeto foi coordenado por Solange Muglia Wechsler, uma das autoras do estudo citado acima. A intenção é ajudar as pessoas a manter a saúde mental no período de isolamento e usar a criatividade para o desenvolvimento pessoal, interpessoal e social.
“A criatividade sempre busca alternativas, saídas e superação de dificuldades”, disse Solange por ocasião do lançamento da cartilha. “É o momento de descobrir suas habilidades e se dedicar a elas.”
A cartilha aborda princípios da psicologia positiva e temas como otimismo, emoções e autoconceito. Também sugere práticas para adultos e crianças desenvolverem a imaginação. E ensina que a criatividade permite vencer desafios, encontrar soluções para problemas, buscar a realização pessoal e olhar um problemas sob diferentes perspectivas.
“O pensamento criativo é como qualquer habilidade na vida. Quanto mais você pratica, melhor se torna”, disse à BBC a dinamarquesa Dorte Nielsen, fundadora do Centro para o Pensamento Criativo, em Copenhague, e autora de livros sobre o tema. A escritora e poetisa americana Maya Angelou (1928-2014) fez mais ou menos a mesma afirmação ao se referir à criatividade como um poço sem fundo: “Quanto mais você a usa, mais você tem.” E ao físico alemão Albert Einstein (1879-1955) é atribuída a frase “Criatividade é a inteligência se divertindo.”