Uma nova técnica para produção e reconstrução de fígados em laboratório foi desenvolvida por pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL), do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). A descoberta abre caminho para a solução de um dramático quadro brasileiro, em que cerca de 7 mil pessoas estão na fila de espera por um transplante de fígado.
As experiências iniciais foram feitas com fígados de ratos. Células hepáticas foram introduzidas na matriz extracelular do fígado dos roedores – essa matriz é um conjunto de moléculas secretadas por células que fornecem auxílio estrutural e bioquímico ao fígado. Em cinco semanas, o órgão se regenerou numa incubadora que simula um corpo humano.
Análises mostraram que o enriquecimento da matriz extracelular – a partir de uma solução contendo as proteínas Sparc e TGFB1 – favoreceu o processo de formação de novas células que deram origem ao fígado. O próximo passo é replicar a técnica para produzir fígados humanos, a fim de aumentar a oferta de órgãos para transplantes.
O principal autor da pesquisa, Luiz Carlos de Caires Júnior, que faz pós-doutorado no CEGH-CEL, disse à revista Galileu que “a ideia é produzir fígados humanos em laboratório, em escala, com o intuito de diminuir a espera por doadores compatíveis e os riscos de rejeição do órgão transplantado”.
POSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE OUTROS ÓRGÃOS
O método se utiliza de duas técnicas de bioengenharia de tecidos já aplicadas na produção de órgãos para transplante: a descelularização e a recelularização. Em ambas, o fígado de um doador falecido é submetido a sucessivas lavagens com detergentes ou enzimas, até perder todas as suas células, à exceção da matriz extracelular. Essa matriz é então recomposta com células provenientes do paciente que receberá o órgão, o que ajuda a evitar riscos de rejeição.
Mayana Zatz, coautora do estudo e coordenadora do CEGH-CEL, explicou: “É como se o receptor recebesse um fígado recauchutado, que não seria rejeitado, porque foi reconstituído usando suas próprias células. Ele não precisaria nem tomar imunossupressores”. Usados para evitar a rejeição, os imunossupressores são capazes de gerar reações adversas no organismo, como o crescimento de pelos em locais onde estes não existiam.
A escassez de fígados para transplante é agravada pelo fato de muitos órgãos disponíveis não poderem ser aproveitados por estarem danificados, como em casos de traumas físicos sofridos em acidentes. “Por meio dessas técnicas é possível recuperar esses órgãos, dependendo de sua condição”, disse Caires Júnior. Segundo ele, a técnica também pode vir a ser aproveitada para a produção em laboratório de outros órgãos, como pulmão, coração e pele.