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A missão de preservar o legado de um povo dizimado

A recente morte do líder Aruká Juma causou comoção no país. Símbolo da resistência indígena, ele era o último homem do povo Juma, da Amazônia brasileira, o que levou a reflexões marcadas pelo desalento: seria esse o fim desse povo dizimado por sucessivos massacres? A esperança se pôs nas mãos de seus netos, que manifestaram a intenção de preservar o legado do avô.

Aruká morreu em 17 de fevereiro, depois de um mês internado com Covid-19 num hospital em Porto Velho. Supunha-se que tinha entre 86 e 90 anos. Deixou três filhas, todas elas casadas com membros de outro povo, Uru-eu-wau-wau. No sistema patrilinear dos Juma, netos e bisnetos são considerados membro do grupo do pai. Mas, diante da morte do guerreiro, alguns de seus doze netos decidiram romper a tradição e passar a se identificar como Juma e Uru-eu-wau-wau.

“Vamos carregar a tradição de nosso povo”, afirmou Bitaté Uru-eu-wau-wau, de 20 anos, a Juliana Gragnagi, da BBC News Brasil. Sobre o avô, ele afirmou: “Ele está com a gente, vive com a gente, representa nosso povo por meio de seus netos e dos futuros tataranetos que vierem.”

Seu primo Kuaimbú, de 18 anos, expressou a mesma intenção: “Não queremos que a luta de nosso povo seja esquecida. Temos orgulho da luta de nosso avô e de nossas mães e queremos continuá-la.” Kuaimbú disse que pretende adotar oficialmente o sobrenome do avô, mudando o registro de sua identidade. “Sou neto de um Juma e filho de uma Juma. Tenho o direito de ter Juma em meu nome”, disse.

Habitantes do sul do Amazonas, os Juma tinham entre 12 mil e 15 mil membros no início do século passado. Durante séculos, viveram conflitos. Aruká foi um dos sete sobreviventes do massacre de Assuã, em que mais de sessenta pessoas morreram, em 1964. Era garoto na época. O crime foi atribuído a comerciantes que cobiçavam sorva e castanha em seu território.

 

“A EXPERIÊNCIA DO SOFRIMENTO NO SEMBLANTE”

Aruká testemunhou o declínio de sua comunidade, que vivia de pesca, caça e agricultura. No fim dos anos 1990, os Juma foram transferidos para a terra Uru-eu-wau-wau. Foi quando suas filhas casaram. Anos depois, a família retornou à terra Juma. Aruká conquistou o reconhecimento de seu território, tornando-se um ícone da luta dos povos indígenas da Amazônia.

O antropólogo Edmundo Peggion, que esteve entre os Juma em 1998, descreveu Aruká ao Instituto Socioambiental como “uma pessoa séria, que carregava no semblante toda a experiência de sofrimento, e que trazia com ele a tradição Tupi-Kagwahiva” – referência à língua falada pelos Juma e outros povos amazônicos.

Ao El País, Peggion afirmou: “Aruká era o último homem Juma que tinha memória das maneiras de caçar, dos modos artesanais próprios de seu povo. Existe um consenso na região, entre os índios Kagwahiva, de sua importância para a memória coletiva.”

Para a indigenista Ivaneide Bandeira, da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, os Juma viveram a saga de morte dos povos indígenas brasileiros. “Aruká era um símbolo de resistência a todo esse massacre – por arma de fogo, mas também por doenças que são levadas pelo não indígena para dentro das aldeias, que é uma forma de genocídio e etnocídio cultural”, disse ela à BBC.

Aruká foi enterrado em sua aldeia, com os adornos que usava. Em mensagem, suas três filhas – Borehá, Maitá e Mandei – afirmaram: “Nosso pai lutou muito, foi um guerreiro, e sua luta nós vamos continuar.”

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