Observo de longe três meninos sem deficiência brincando com uma menina com síndrome de Down. Nenhum dos três pede para a menina sair do pula-pula. Eles pulam mais alto e ela cai com facilidade. Mas eles continuam ali, rindo e brincando. Caso os três meninos nunca tivessem convivido com alguém com deficiência, será que a cena seria a mesma?
O Decreto nº 10.502/2020, assinado por nosso presidente, determina que escola especial é liberdade de escolha. Será? Visitei quinze escolas, não me intimido facilmente. O ano era 2015 e, mesmo tendo a lei ao meu lado, treze escolas me responderam mal. Naquele tom que varia entre minha filha ser um incômodo, um prejuízo financeiro ou uma espécie de ET a quem só um astronauta da Nasa seria capaz de ensinar.
Em uma reação espetacular, a diretora de uma escola me perguntou sobre o que levava os pais de uma criança com deficiência a escolher para a filha uma escola de excelência.
O que está em jogo no novo decreto é que a premissa de escola especial abre o precedente para escolas regulares aumentarem sua resistência a aceitar crianças com deficiência. Afinal, há que fazer um esforço para implementar a inclusão. E em um país com tantas escolas privadas, esforço significa custo. Mas estamos falando de educação, e não de qualquer negócio. E que sociedade seríamos vivendo em espaços segregados?
Assim como não percebemos facilmente o machismo e o racismo, posto que são estruturais, tampouco enxergamos o capacitismo, que é acreditar que uma pessoa sem deficiência “vale mais” que uma pessoa com deficiência.
Na escola da minha infância não havia nenhuma criança com deficiência. Pretos, eu me lembro de três em toda a minha série. Não falávamos sobre diversidade. A escola progrediu, como a maior parte da sociedade.
Em um dia de sol, na pracinha, minha filha brincava quando ouvi de uma mãe que não era justo que famílias sem crianças com deficiência tivessem que dividir o custo que recai sobre a escola privada quando não se cobra o mediador da família específica. Respondi que era mesmo injusto, afinal a “loteria genética” é implacável e as famílias com crianças com deficiência precisam ter mais recursos financeiros para educar seus filhos.
Felizmente, a mãe com a qual cruzei na pracinha faz parte de uma minoria. Uma pesquisa encomendada pelo Instituto Alana, em 2019, revela que aproximadamente nove em cada dez brasileiros acreditam que crianças com deficiência em escolas regulares trazem benefícios para todos.
É uma pena que o presidente esteja com a minoria e não entenda que nós, as árvores, os animais, as florestas e toda a natureza no planeta Terra SOMOS diversidade.
Diversidade não há que ser defendida. É o que somos. Basta enxergar.
Mariana Reade é criadora de conteúdo e jornalista.