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Booktokers: literatura em vídeos de trinta segundos

Imagine o personagem Ezequiel, filho de Capitu e Bentinho – ou seria de Capitu e Escobar? –  em Dom Casmurro, clássico de Machado de Assis, representado por um Mickey de pelúcia e narrado por um jovem de 22 anos? A história ganhou ares contemporâneos e está no repertório do paulistano Tiago Valente, já alçado a estrela no universo dos booktokers, jovens influenciadores que se dedicam a divulgar livros em vídeos inusitados.

Com quase 140 mil seguidores, Valente mergulhou de cabeça nas técnicas do aplicativo Tik Tok para virar comentarista de literatura. Sim, literatura, esse território dos impressos. O aplicativo, já baixado mais de 2 milhões de vezes no planeta, é a ferramenta de acesso dos booktokers à ágil linguagem da geração Z – nascida depois de 2000. Em vídeos de trinta segundos, são resumidos os livros e interpretados os personagens. A criatividade de cada um dá a medida dos acessos.

Valente percebeu que aqueles poucos segundos eram suficientes para criar uma narrativa, “uma história cômica, com começo, meio e fim”, disse ele ao Globo. Os trinta segundos tomam cerca de quatro horas de trabalho para a execução do vídeo, o que abrange confecção de roteiro, gravação, locução, participação dos personagens, edição e postagem. O que não falta são seguidores entre os 800 milhões de usuários do Tik Tok no planeta. O #booktoker já foi visualizado mais de 14,5 milhões vezes no mundo.

 

PÚBLICO ADULTO TAMBÉM É ATRAÍDO

O poder do aplicativo é tanto que seus seguidores esvaziaram um comício de Donald Trump. O presidente americano passou de vítima a algoz, ameaçando banir o Tik Tok dos Estados Unidos. Segundo o New York Times, a Microsoft teria sido consultada pela Byte-Dance, a empresa chinesa que comanda o app, sobre seu interesse em comprar a operação americana.

Sedento de novidades, o mercado editorial está de olho no movimento dos booktokers. Pesquisador de cultura digital, Ronaldo Lemos explica que esses jovens tiram proveito do sofisticado sistema de algoritmos do Tik Tok, capaz de entregar ao usuário exatamente o que ele busca, sem criar uma conta para acessar o conteúdo. “O app criou uma nova linguagem e os booktokers já atraem também o público adulto, não se trata de uma onda passageira”, avalia ele.

A curitibana Ivana Amaral, 28 anos, contou ter ouvido falar de pais que não pegavam um livro desde a escola e, por conta dessa turma, voltaram a ler. “A comunidade booktoker é muito do bem”, disse ela ao Globo.

 

JOVENS FAZEM LISTAS DE LIVROS JÁ LIDOS

O desafio dos booktokers é produzir os mesmos tipos de vídeos dos demais usuários do aplicativo, mas com um olhar para a literatura. Antenados com o frescor do público, eles costumam brincar de “eu já, eu nunca” ou “checklist, contabilizando a relação de livros já lidos ou não lidos, e mostrar as histórias com suas características específicas, como as que fazem rir ou chorar. Com isso, o pessoal ganha intimidade com as obras e até se arrisca a escrever os próprios livros, como é o caso de Valente.

Em O conselheiro, contrato já assinado com a editora Burn Books, Valente conta a história de um rapaz que, apesar de conselheiro amoroso num podcast, fracassa no amor. “Quero que seja um projeto multimídia e se desdobre em vídeos no Tik Tok”, planeja ele.

Nathalia Dinambro, editora do Seguinte, selo da Companhia das Letras, já espera os desdobramentos dessa tendência: “Esses novos influenciadores do Tik Tok também são potenciais autores”, afirma ela. A nova plataforma parece abrir inéditas perspectivas ao universo dos livros.

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