Enquanto o planeta segue acometido por uma pandemia viral, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o poliovírus selvagem (PVS), causador da poliomielite, foi erradicado na África. O anúncio, considerado histórico, tornou-se possível depois de mais de 95% da população do continente ter sido imunizada. Os últimos casos da doença foram registrados há quatro anos, no nordeste da Nigéria.
A OMS disse, em comunicado, que mais de 1,8 milhão de crianças foram salvas da pólio graças a esforços de governos, profissionais de saúde e comunidades. Foram necessários investimentos coletivos de US$ 19 bilhões e trinta anos para controlar a doença.
A vacina contra a pólio, ou paralisia infantil, foi descoberta há 67 anos. A exemplo do que acontece hoje na pandemia do coronavírus, na época temia-se que ela chegasse primeiro aos países ricos, o que de fato aconteceu. A África e a Ásia continuaram sendo castigadas pela doença durante décadas. Em 1988, por exemplo, foram registrados 350 mil casos no mundo. Oito anos depois, a África ainda tinha 70 mil.
Mais recentemente, a permanência da pólio na África era atribuída a dificuldades impostas pelo conflito com o grupo jihadista Boko Haram, de forte atuação na Nigéria. Durante os esforços para a erradicação da doença, trabalhadores da campanha de vacinação foram mortos pelos extremistas.
ÁSIA AINDA TEM FOCOS DA DOENÇA
Hoje, os únicos países no mundo com registros de contágio pelo PVS são os asiáticos Paquistão, com 58 casos relatados este ano, e Afeganistão, com 29. Na África, uma rara forma do vírus derivada da vacina oral permanece atuante na Nigéria, na República Democrática do Congo, na República Centro-Africana e em Angola. Este ano, a OMS registrou 177 casos.
Durante muito tempo, a pólio foi endêmica em todo o planeta, e epidêmica. Nos anos 1950, o médico americano Jonas Sark desenvolveu uma vacina para combatê-la. O polonês Albert Sabin a tornou oral, o que facilitou a aplicação e distribuição a partir de 1961.
O anúncio da erradicação da doença na África reuniu por meio de videoconferência o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS; a sul-africana Matshidiso Moeti, diretora do escritório regional da OMS para a África; e os empresários Aliko Dangote, nigeriano, e Bill Gates, americano, ambos filantropos que têm se dedicado ao combate a doenças transmissíveis.
“É uma vitória formidável, um alívio”, disse à AFP o médico Tunjui Funshuo, do comitê Pólio Nigéria da associação Rotary International. “Há mais de 30 anos começamos esse desafio. Dizer que estou feliz é um eufemismo.”
VIOLÊNCIA INTERROMPEU VACINAÇÃO
O conflito com os extremistas do Boko Haram vinha dificultando o acesso de trabalhadores da campanha de imunização a algumas regiões da Nigéria, em especial o estado de Borno. A difusão de informações infundadas sobre a vacina também prejudicou o processo. Em 2003, alguns estados nigerianos suspenderam a vacinação após líderes muçulmanos divulgarem que a vacina causava infertilidade em mulheres. Em 2013, nove mulheres da campanha foram mortas em trocas de tiros.
Problemas de ordem semelhante são enfrentados no Paquistão e no Afeganistão, onde líderes religiosos e comunitários disseram que a imunização era parte de um plano global de esterilização dos muçulmanos. Isso levou famílias a esconder suas crianças para evitar que fossem vacinadas.
A pólio é uma doença infecciosa. Seu vírus pode atacar o sistema nervoso, causando uma paralisia parcial irreversível, principalmente nas extremidades inferiores. A doença afeta sobretudo os menores de 5 anos, com sistema imunológico ainda em desenvolvimento. O contágio é de pessoa para pessoa, em especial pelas fezes, e relacionado a más condições de higiene e saneamento. Água contaminada é um meio de transmissão.
Cerca de 30 mil crianças nigerianas permanecem sem a vacina contra pólio. O número foi considerado baixo pelos especialistas para que a doença volte a ser epidêmica. Se isso se confirmar, a poliomielite pode se tornar a segunda doença humana erradicada no planeta após a varíola, em 1979.
