Não seria exagero dizer que estamos vivendo uma era da mentira. A proliferação das fake news nas redes sociais é prova disso, assim como as escancaradas farsas de políticos no Brasil e no mundo. Recentemente, o presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, alegou haver uma denúncia de explosivos a bordo de um avião para obrigar a aeronave a descer para em seguida prender um opositor que estava no voo, o que gerou uma crise internacional.
Como a toda ação corresponde uma reação, psicólogos, cientistas políticos e investigadores policiais procuram se armar de técnicas para detectar mentiras. Seja para desvendar crimes, desmascarar armadilhas de líderes populistas ou ajudar pacientes em crise de identidade.
“A mentira do populista tem por objetivo ser percebida”, afirmou ao jornal inglês The Guardian a cientista política Catherine Fieschi, da London School of Economics. “É o contrário da mentira que quer esconder algo.” Segundo ela, no jogo do populista a mentira é glorificada. É um instrumento de subversão cujo objetivo é mostrar que o líder cruzará qualquer limite para “servir ao povo”.
A psicoterapeuta carioca Miriam Mantau lembra que as relações em sociedade devem ser fundamentadas na verdade, na transparência e no respeito mútuo, “pois só assim conseguimos construir relações sólidas, duradouras e benéficas para todos e todas”.
Ela admite, contudo, que não é isso o que temos visto. “A era da mentira, batizada hoje de fake news, se espalha de forma impactante e severa dentro da nossa sociedade, respaldada pela velocidade e aprimoramento da tecnologia da comunicação”, analisa a psicoterapeuta.
Mantau relaciona uma série de pistas na fala que nos permitem identificar uma mentira:
- Usar pronomes vagos ou evitar o uso deles.
- Usar detalhes demais.
- Mudar o ritmo da fala, indicando nervosismo ao tentar persuadir o ouvinte sobre algo.
- Manter um olhar vago ou, ao contrário, olhar fixo para um ponto específico enquanto fala.
- Movimentar muito as mãos ou tê-las contidas, sem movimento.
- Manter uma expressão facial que não condiz com o conteúdo da fala – contar um fato trágico ou cômico, por exemplo, sem mudar a expressão do rosto.
- Fazer grandes pausas nas falas ou repetir o conteúdo das perguntas.
- Tapar a boca ao término de uma afirmação.
- Enrugar a testa ou franzir a sobrancelha ao fazer uma afirmação mentirosa.
As técnicas de detecção não verbais, entretanto, não têm se mostrado 100% seguras em investigações de crimes. Isso se deve à capacidade dos mentirosos de esconder o nervosismo, como constatou o psicólogo Ronald Fisher, da Universidade Internacional da Flórida, responsável pelo treinamento de agentes do FBI.
“Não são muitos os estudos que comparam as emoções internas das pessoas com o que os outros percebem”, disse Fisher à BBC. “A questão toda é que os mentirosos ficam mais nervosos, mas isso é um sentimento interno, ao contrário do modo como eles se comportam, conforme observado pelos outros.”
Coautora de um estudo sobre pistas não verbais para a mentira publicado na revista acadêmica Annual Review of Psychology, a psicóloga Maria Hartwig afirmou à BBC: “Um dos problemas que enfrentamos como pesquisadores é que todo mundo pensa que sabe como a mentira funciona”. Segundo ela, isso pode levar a erros judiciais graves.
As imprecisões têm levado pesquisadores a abrir mão das pistas não verbais para detectar mentiras. Hoje, muitos psicólogos que investigam a mentira têm procurado priorizar as pistas verbais, bem como ampliar as diferenças entre o discurso do mentiroso e o discurso de quem fala a verdade.
Hartwig experimentou essa técnica: instruiu 41 policiais a dar mais tempo aos suspeitos para falar livremente, o que facilitaria detectar contradições. Com isso, eles conseguiram acertar a identificação dos mentirosos 85% das vezes, enquanto entre policiais não treinados o índice foi de 55%. “Estamos falando de melhorias significativas nas taxas de precisão”, comemorou a psicóloga.
Celina Côrtes é jornalista, escritora e mantém o blog Sair da Inércia.