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Quando a quarentena pode ser um tesouro

Se você é daqueles que não se conforma em ver a vida passar na janela, sentindo-se trancafiado pela quarentena, não sabe o que está perdendo: a mais desafiadora das viagens, a viagem para dentro de si. Esta é a base de uma recente Live do historiador, professor e escritor Leandro Karnal. Ele mesmo está vivendo a guinada de trocar os constantes deslocamentos de avião – para dar palestras – pelo isolamento das quatro paredes de seu apartamento. “Levei um tempo para me acostumar”, admite. Contudo, ele passa meia hora falando sobre o privilégio que está vivendo de ter a chance de conhecer a si mesmo.

Karnal começa sua fala fazendo uma distinção entre solidão e solitude, conceitos que podem ser antagônicos mas também complementares. A primeira costuma ser compulsória, pelo afastamento não desejado, involuntário, geralmente acompanhada do frustrado querer de uma companhia e do calor das pessoas. Já a solitude é uma ferramenta de crescimento, é o tornar-se só consigo mesmo.

Não se trata apenas daquela capacidade de se isolar em que as pessoas não param de mandar mensagens para milhões de amigos, ficam o tempo todo trocando de canal no controle remoto da TV, andam pela casa, ficam limpando coisas freneticamente. Esse comportamento ansioso lhe diz alguma coisa? Claro que isso está longe do tornar-se só consigo mesmo. A solitude pressupõe o cessar da sinfonia das múltiplas vozes interiores e a abertura de espaço à reflexão densa e transformadora.

 

MÚSICA, LIVROS E MEDITAÇÃO

Karnal cita como exemplo o livro de Clarisse Lispector A paixão segundo GH (Rocco), em que uma mulher muito inteligente, com um grau de consciência impactante, faz reflexões enquanto percorre um mesmo apartamento. “Ali ela vai ter insights que nunca teria se estivesse numa festa cercada de pessoas. É muito importante que a solidão seja iluminadora, tenha a capacidade de me retirar do meu universo social para se transformar numa solitude produtiva e interessante”, pontua ele.

Nesse sentido, a tal solidão da quarentena pode ser transformada em solitude quando as pessoas ouvem música, não apenas escutam, acompanhando e sentindo cada passagem e usufruindo do diálogo entre os lados esquerdo e direito do cérebro, que só a música é capaz de proporcionar. Ou mergulham na leitura de um livro, nas estranhezas com os personagens que serão contrapostos a seu próprio comportamento, “para reencontrar aquilo que você é e aquilo que você teme ser”, ensina o filósofo.

“Se você aproveitar esse isolamento para ter acesso aos sites disponibilizados pelos museus terá oportunidade de observar muito mais detalhes e nitidez nas obras, sem gente ao redor ou correndo para a próxima etapa da viagem”, sugere Karnal.

Se para você é uma tortura ficar tanto tempo em casa, acompanhado ou não de familiares, vai ter uma desagradável certeza: a de que não consegue ficar só consigo mesmo. Além dos livros, da música e dos filmes, porém, há uma outra ferramenta que pode lhe ajudar: a meditação. Karnal recomenda: “Experimente ficar em silêncio, simplesmente respire, preste atenção na respiração e tente esvaziar a mente por quinze minutos. Foi algo que mudou bastante a minha vida.”

Sempre mediando suas reflexões com a citação de filósofos, o professor recorre a Schopenhauer: “Amar a solitude é amar a liberdade, porque só na solitude sou de fato livre, longe dos olhares e projeções. Amar a solitude é amar ser livre, o que só o isolamento é capaz de trazer.”

E quando, em tempos normais, alguém poderia ter acesso a esse verdadeiro tesouro, que transforma em pérolas os grãos de areia? O que você ainda está esperando para desfrutar do privilégio de crescimento interior nessa quarentena?

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