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Quando o coronavírus está em casa

Meu marido pegou a Covid. Pavor. E agora? O que fazer? Há cinco anos ele foi morar em São Paulo por motivos de trabalho e só voltava para nossa casa, no Rio de Janeiro, nos fins de semana. Passar a quarentena a dois já estava sendo, portanto, um desafio no casamento de 25 anos – comemorados com uma viagem à Argentina antes de a pandemia se estabelecer. Será que suportaríamos retomar o convívio diário? Afinal, já dizia Nelson Rodrigues, “a maior solidão é a presença da minha mulher” (do meu marido, eu diria).

Não só suportamos, como fortalecemos os laços. Registramos até uma união estável em cartório. Mascarados. Meu isolamento só tem sido quebrado pelas caminhadas nos arredores de casa tão longo amanhece, pelas idas ao supermercado, pelas visitas quinzenais a meus pais e pelas eventuais viagens dele a São Paulo, por conta de inevitáveis compromissos profissionais. Dias depois da última dessas viagens, a única em que dormiu uma noite naquela cidade, ele começou a se sentir estranho. Estava muito cansado, “pesando uma tonelada”, disse.

Como ele não tinha tosse seca ou febre, e otimista inveterada que sou, achei que podia ser qualquer coisa, menos Covid. Nesses últimos meses, aprimoramos a prevenção, caprichando na higienização das compras, implacáveis no uso de máscara e no distanciamento das raras pessoas com quem cruzávamos nas caminhadas matinais.  

Minha ficha só caiu alguns dias depois, quando ele começou a perder o paladar. E agora? O que fazer com uma pessoa infectada dentro de casa? Ele costuma sofrer muito com qualquer gripe. Será que terá de ser entubado?

Nesse dia, eu havia marcado uma visita do veterinário a nossa casa para vacinar a gata. Quando liguei para cancelar, o doutor sugeriu que tomássemos ivermectina, um remédio para vermes receitado a humanos e animais. E como um amigo do meu marido fizera a mesma sugestão, não tive dúvida. Mesmo sem consultar minha filha médica, ingerimos a dose única de dois comprimidos, preventiva e curadora.

Até a constatação da doença, não me preocupava em manter distância do meu marido, embora ele estivesse tão apático que não havia margem para maiores aproximações. Confirmado o contágio, achei que seria inexorável eu pegar a doença. Tenho, contudo, o privilégio de ser mãe de uma médica que, ainda por cima, transborda carinho tanto por mim quanto por esse pai postiço. Nossa doutora particular nos emprestou um oxímetro e nos orientou a dormir em quartos separados, a usar banheiros e talheres separados. E a manter o máximo de distância.

No mais, multipliquei a lavagem das mãos, bem como os cuidados tanto na caminhada quanto no supermercado. As visitas aos pais foram adiadas e passei a usar máscara quando ficávamos mais próximos para assistir ao delicioso seriado Heartland, na Netflix. 

Meu maior temor era o que faria se os sintomas dele começassem a se agravar e eu tivesse de interná-lo. Felizmente não foi preciso. Fora a ivermectina, a única coisa que ele tomou foi vitamina C. E, passadas duas semanas que a Covid entrou em casa, ele já estava quase curado, apenas com resquícios de cansaço. Eu, aparentemente, escapei dessa. Ufa!

Pensamos em fazer testes. Nossa médica, entretanto, mostrou que o resultado não mudaria muita coisa, porque ambos precisamos manter a rotina do isolamento. Não só pelos terceiros, como pela possibilidade real de recaída, como admite a ciência diante desse ainda desconhecido coronavírus. A nosso favor, ambos temos sangue O positivo, menos suscetível à contaminação.

No dia seguinte à “alta”, ele fez aniversário. Além de voltarmos a dividir a cama e os prazeres que ela nos traz, festejamos a dois. Poucas vezes nesses 25 anos a comemoração foi tão profundamente degustada. À vida!

Celina Côrtes é jornalista e escritora, autora de A colcha escarlate (Autografia), entre outros livros.

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