Crescem no mundo os esforços para separar a urina de outros dejetos do esgoto a fim de reciclá-la, transformando-a em produtos, em especial fertilizantes. A prática vem sendo estudada e aplicada por grupos nos Estados Unidos, na Austrália, Suíça, Etiópia e África do Sul, entre outros países. São iniciativas que, amparadas por novas tecnologias, vão além do ambiente de laboratórios de universidades.
Em Gotland, a maior ilha da Suécia, a urina representa uma esperança de qualidade de vida. Ali, a água doce é escassa e os moradores enfrentam um alto nível de poluição proveniente da agricultura e do sistema de esgoto. A poluição resulta em crescimento exagerado de algas no Mar Báltico e oferece riscos à vida marinha e à saúde humana.
No ano passado, uma equipe de pesquisadores da Universidade Sueca de Ciências Agrícolas fez uma parceria com a Sanitation360, uma empresa local que aluga banheiros portáteis para eventos populares. O objetivo da iniciativa é coletar mais de 70 mil litros de urina ao longo de três anos. Esse material passará por um processo para produção de fertilizantes a serem usados no cultivo de cevada para a fabricação de cerveja – que depois de consumida e eliminada na urina poderá entrar nesse ciclo novamente.
A parceria pretende se tornar um modelo para iniciativas semelhantes que permitam esse processo em larga escala. “A ambição é que todos adotem essa prática”, afirmou Prithvi Simha, engenheiro químico da universidade e chefe de tecnologia da Sanitation360, à revista Nature.
Em escritórios no Oregon (EUA) e na Holanda, há banheiros secos conectados a sistemas de tratamento. Em Paris, profissionais planejam instalar banheiros com separação de urina numa área de mil moradores conhecida por iniciativas ecológicas. A Agência Espacial Europeia anunciou que fará o mesmo em sua sede na capital francesa.
DESAFIOS ENFRENTADOS PELA TECNOLOGIA
Defensores da reciclagem de urina dizem que é possível adotar a prática tanto em bairros ricos quanto em comunidades pobres. Para cientistas, é uma medida que traz imensos benefícios para a saúde pública e o meio ambiente. Em parte, isso se explica porque a urina é rica em nutrientes que, em vez de poluir cursos d’água, poderiam ser usados como fertilizantes em plantações e processos industriais.
Segundo estimativas, os seres humanos produzem uma quantidade de urina suficiente para substituir um quarto dos fertilizantes de nitrogênio e fósforo utilizados atualmente no mundo. Já os banheiros secos economizariam uma imensa quantidade de água nos sistemas de esgoto.
Os desafios ao avanço do aproveitamento de urina incluem a criação de mictórios adequados, que facilitem a separação, bem como a criação de processos mais fáceis de tratar a urina e transformá-la em produtos aproveitáveis. Envolvem também a conexão entre sistemas de tratamento e banheiros individuais ou redes de esgoto de prédios inteiros.
Há ainda tabus sociais a serem enfrentados, por conta da associação entre alimentos e fertilizantes agrícolas feitos a partir de dejetos humanos. E ainda a dificuldade de criar modelos que não exponham as pessoas ao mau cheiro.
Mas a tecnologia avança. Em 2017, o designer Harald Gründi, em colaboração com o engenheiro químico suíço Tove Larsen e outros, criou para a empresa EOOS um modelo que elimina a necessidade de os usários direcionarem o jato de urina e no qual a separação da urina é quase invisível.
Para a bióloga e consultora de sustentabilidade americana Lynn Broaddus, a separação e a reciclagem de urina representam uma forma drástica de repensar nosso saneamento que se tornará cada vez mais crucial à medida que as sociedades enfrentarem escassez de energia, água e matéria-prima para agricultura e indústria.
Com informações de artigo de Chelsea Wald para a Nature.