Uma das maiores empresas de logística no mundo, a DHL Global Management, sediada em Bonn, Alemanha, está se planejando para enfrentar o que vem sendo considerado o maior desafio do século: distribuir duas doses de vacina para 5 bilhões de pessoas no mundo, que correspondem a 60% da população do planeta. Especialistas consideram que esta é a única forma de conter a pandemia do coronavírus.
Em vídeo promocional, a DHL estima que esse esforço gigante exigirá 15 mil voos de aviões, 200 mil paletes de madeira, metal ou plástico para transporte de carga e 15 milhões de caixas refrigeradas para guardar as preciosas vacinas.
Quantidade não é a única questão inédita a ser enfrentada. Conforme o vice-presidente da DHL, Thomas Ellman, alguns desses imunizantes precisam ser mantidos em temperaturas extremamente baixas, “e a cadeia de frio não pode ser interrompida, seja no transporte sobre paletes, no armazenamento temporário em aeroportos ou durante a entrega das caixas”.
Entre os maiores desafios, está a exigência de que o resfriamento das vacinas seja feito com gelo seco, material perigoso para o transporte aéreo, por sublimar e deslocar o oxigênio que costuma ser restrito aos passageiros e funcionários aeroviários. O executivo lembra também que nem todos os lugares dispõem de aeroportos ou mesmo estradas em que caminhões refrigerados possam circular.
Maria Besiou, professora e pesquisadora da Universidade de Logística de Kühne, em Hamburgo, compartilha as preocupações do setor corporativo. Ela chama atenção para a precariedade dos transportes em áreas rurais da África, da Ásia e até mesmo da Europa: “Muitos não usam caminhões, e sim animais de carga. E carregar caixas de vacina é algo muito difícil.”
Besiou afirma que, nesses casos, será inevitável recorrer a métodos inovadores, sobretudo para vacinas que precisam ser mantidas em temperaturas muito baixas. “Pensamos em drones, por exemplo, o que faria sentido para agilizar a entrega de vacinas nos locais mais remotos”, diz ela.
BRASIL É REFERÊNCIA EM IMUNIZAÇÃO EM MASSA
A pesquisadora levanta outra questão crucial: Teremos profissionais de saúde suficientes para vacinar as pessoas de uma forma segura? A resposta não é das mais animadoras. A DHL indica que os únicos países dotados de infraestrutura desenvolvida são aqueles situados no Hemisfério Norte e na Oceania.
A América do Sul, a África e grande parte da Ásia ficariam de fora, por conta do calor ambiente e da generalizada precariedade dos transportes. Ellman afirma que a exceção poderiam ser países africanos que já enfrentaram o Ebola: “É possível que eles ainda tenham capacidade de armazenamento a 70 graus negativos. Mas para muitos outros é um grande desafio.”
Com base em argumentos como esses, a empresa indica que os países mais ricos terão mais chances de vacinar suas populações, suposição endossada por Besiou: “Se me perguntassem onde eu gostaria de ter meus filhos agora, ou onde gostaria que meus pais idosos estivessem, eu diria: em um país desenvolvido. Porque eles têm uma chance muito maior de tomar a vacina a tempo.”
O que talvez os alemães desconheçam é o sucesso do Programa Nacional de Imunização do Sistema Único de Saúde (SUS), que em 2003 comemorou trinta anos de bons resultados, levando vacinas aos mais remotos cantões brasileiros em suas campanhas.
Por aqui, a proposta mais imediata para a vacinação contra Covid 19 é a da empresa farmacêutica americana Moderna, que integra a aliança Covax Facility. Iniciativa da Organização Mundial de Saúde, a Covax reúne mais de 150 países para um fundo de acesso global à vacina. Como um dos signatários, o Brasil terá direito a 42 milhões de doses do imunizante, cuja eficácia é de 94,5% e cuja terceira fase de testes foi concluída.
Celina Côrtes é jornalista, escritora e mantém o blog Sair da Inércia.