O papa nunca foi tão pop. Após a onda conservadora de João Paulo II e Bento XVI, Francisco assumiu o cargo máximo da Igreja Católica, em 2013, trazendo ventos de renovação para a Igreja Católica. O mais recente foi elevar o primeiro negro americano a cardeal: Wilton Gregory, arcebispo de Washington considerado progressista e desafeto do presidente Donald Trump por questões ligadas ao racismo. Gregory está entre os treze novos nomes que assumirão a mais alta posição na Igreja depois do papa.
Francisco fez ainda mais barulho ao manifestar sua aprovação a uniões civis entre gays no documentário Francesco, do americano Evgeny Afineevsky, recém-lançado no Festival de Cinema de Roma. “Eles são filhos de Deus e têm direito a uma família. Ninguém deve ser expulso ou miserável por isso”, diz o papa no filme.
Em mais um sintoma de rejuvenescimento, a Igreja Católica beatificou, em Assis, o italiano Carlo Acutis, falecido em 2006, aos 15 anos, de leucemia. O adolescente era presença assídua em redes sociais e vem sendo chamado de “influencer de Deus”, “padroeiro da internet” e ainda “santo millenium”. Exumado para a cerimônia, seu corpo exibia calça jeans, tênis Nike e camisa esportiva.
Acutis cultivou fama entre católicos ao criar um site em que registrava relatos de milagres no mundo. Mas sua beatificação se tornou possível depois que a Igreja reconheceu como milagre o relato de um menino do Mato Grosso do Sul, que disse ter sido curado de pâncreas anular, uma anomalia congênita rara, após tocar num pijama de Acutis. A peça de roupa está guardada numa paróquia em Campo Grande.
Embora venha atentando para os perigos do isolamento e do vício no mundo digital, Francisco reconheceu benefícios na internet. “Não podemos esquecer que nesse ambiente há jovens que também são criativos e, às vezes, brilhantes”, disse ele, referindo-se ao novo beato.
DÚVIDAS QUANTO A MUDANÇAS NA DOUTRINA
Mais comentado foi o apoio do Papa à união civil de gays, embora ele já manifestasse essa opinião desde os tempos em que era arcebispo em Buenos Aires. Seu biógrafo Austen Ivereigh não se surpreendeu. “Ele sempre se opôs ao casamento para casais do mesmo sexo”, disse à BBC. “Mas acreditava que a Igreja deveria defender uma lei de união civil para casais homossexuais para lhes dar proteção legal.”
Já Mark Lown, analista da BBC em Roma, questionou se a declaração do papa representa realmente uma mudança fundamental na Igreja. Para ele, “qualquer mudança doutrinária significativa sobre essa questão tipicamente seria apresentada de maneira mais formal e após muito debate interno. Por enquanto, há poucos sinais de que uma dessas duas coisas é iminente.”
Para o ex-frade Sebastião Santos, a Igreja Católica está atrasada duzentos anos e Francisco tem atuado em prol de mudanças estruturais na instituição. “O papa já avançou bastante. Acredito que em cinco anos ele também avance em questões como a ordenação de mulheres e a liberdade para que os padres possam se casar”, vaticinou Santos, que largou a batina em 1981, por ter sofrido oposição a sua dedicação aos sem-terra e a comunidades de base, e já se casou duas vezes.
Santos diz que a luta contra a Teologia da Libertação abriu espaço para uma igreja “quase pentecostal”. “Jesus era das periferias. A Igreja, contudo, sempre foi mais de centro. Paulo VI começou a volta para o interior, a fim de evitar o avanço das igrejas evangélicas e o comunismo”, analisa ele. Com João Paulo II, prossegue, a linha carismática mudou a linguagem das celebrações e investiu mais na comunicação. “O atual papa põe os pés da Igreja no chão”, afirma o ex-frade, que hoje preside a ONG Viva Rio, fundada em 1993 por Herbert de Souza, o Betinho.
Celina Côrtes é jornalista, escritora e mantém o blog Sair da Inércia.