Junte um santo que presenteava crianças com algumas lendas nórdicas povoadas de renas e gnomos místicos. Acrescente o talento de um cartunista alemão do século 19 e pitadas de uma campanha publicitária da Coca-Cola em 1931. Esses são alguns ingredientes da receita que veio a resultar no Papai Noel tal qual o conhecemos hoje em dia, uma personificação do espírito da bondade explorada pelo comércio no mundo inteiro.

A lenda do bom velhinho tem origem em São Nicolau. Acredita-se que ele tenha nascido por volta do ano 275, em Patara, na Ásia Menor, atual Turquia. Sagrado bispo católico em Mira, teria morrido perto do ano 350, em 6 de dezembro, conforme celebra a Igreja Católica, que o santificou.

No livro Um santo para cada dia (Paulus), em que se debruçam sobre a história de São Nicolau, os italianos Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini afirmam: “Há um grande número de notícias, mas é difícil distinguir as autênticas das abundantes lendas que germinaram em torno desse santo muito popular.”

A imagem do santo, dizem os dois autores, foi adaptada por comerciantes para chegar ao Papai Noel de bochechas coradas e barba branca, que traz às costas um saco de presentes para a criançada. Nicolau, afirmam eles, era um menino cheio de qualidades, que abria mão do leite materno dois dias da semana. Já crescido, “desprezava os divertimentos e vaidades e frequentava mais a igreja”.

“Contam seus biógrafos que ele salvou da prostituição três moças, jogando para elas, à noite, pela janela, três sacos de ouro como dote de casamento”, disse à BBC News Brasil o teólogo Fernando Altemeyer Junior, da Universidade Católica de São Paulo. Já a fama de protetor das crianças se deve a um milagre em que “teria ressuscitado três meninos para fazer tenros filés”, dizem Sgarbossa e Giovannini.

Na vida adulta, Nicolau se tornou um sacerdote conhecido pela generosidade. De família rica, tendia a se despojar da riqueza e a ajudar os pobres, “em especial viúvas, idosos e crianças”, disse à BBC o pesquisador Ítalo Francisco Curcio, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mais do que isso, ganhou fama por milagres que fazia, o que o levou a ser venerado e santificado.

FAMA FOI DA ITÁLIA PARA TODA A EUROPA

Em 1087, 62 soldados teriam roubado seus restos mortais de Mira e levado para Bari, na Itália. Daí em diante, sua história de vida se transformou em lenda.  “Dizia-se que São Nicolau passava de telhado em telhado depositando presentes nas meias, colocadas nas paredes das chaminés”, conta Altemeyer.

Da Itália, a fama do santo saltou para a Alemanha e o resto da Europa, onde foi criada a tradição da troca de presentes, de início praticada em 6 de dezembro. A imagem do bom velhinho barba branca, barriga pronunciada e bochechas rosadas teria surgido no século 19. “Um Nicolau transformado em duende e, depois, em simpático velhinho morador do Polo Norte”, observa Altemeyer.

Já Curcio avalia outra hipótese sobre a origem de Papai Noel: “A figura desse homem bondoso idoso, de grande porte físico, longa barba branca, e que caminha com um saco cheio de presentes, apareceu a partir de um poema do escritor norte-americano de tradição protestante, episcopal, Clement Clark Moore, no ano de 1822.”

Os cristãos se encarregaram de trazer o Papai Noel para 25 de dezembro, associando-o ao nascimento de Jesus Cristo. “Por estar próxima ao dia do Natal cristão, a tradição da troca de presentes teria passado para essa data”, especula o pesquisador da Mackenzie, que atribui a roupa vermelha e o trenó puxado por renas a uma imagem feita pelo cartunista alemão Thomas Nast, em 1863, para a revista Harper’s Weekly. Antes, a figura era retratada com  roupa verde ou marrom.

O empurrãozinho que faltava para a popularização mundial dessa figura veio com o sucesso de uma campanha publicitária da Coca Cola em 1931, ilustrada por Haddon Sundblom. Sua imagem de Papai Noel acabou sendo difundida no mundo inteiro, alavancada pelo comércio.

Cada país o chama de um jeito próprio Em Portugal, ele é Papai Natal, tradução do Père Noel francês. Nos EUA e na maioria dos países de língua inglesa, atende pelo nome de Santa Claus, ou ainda Father Christmas e Kris Kringle. Na Holanda, é conhecido como De Sint (O Santo), De Goede Sint (O Bom Santo) e ainda De Goedheiligman (O Bom e Santo Homem). São Nicolau é o santo padroeiro da Rússia, da Grécia e da Noruega.

Celina Côrtes é jornalista, escritora e mantém o blog Sair da Inércia.