Osvalinda Marcelino Alves Pereira recebeu com alegria a notícia de que ganhara o Prêmio Edelstam, concedido na Suécia a pessoas que se destacam por sua contribuição para a defesa dos direitos humanos. Mas foi inevitável que sentisse também um certo receio. Líder comunitária e agricultora, há dez anos ela enfrenta ameaças de madeireiros ilegais nos confins do Pará. O prêmio internacional poderia intensificar as intimidações.
Era uma tarde de novembro passado. Osvalinda passara horas cuidando de graviolas quando atendeu um telefonema de Estocolmo. A ligação estava ruim, mas ela entendeu que fora escolhida por um júri para receber o prêmio. Logo, estaria declarando à Rádio França Internacional: “Eu, meu marido e minha família sentimos que não estamos sozinhos no meio da Floresta Amazônica. Tem pessoas olhando pela gente. Nós somos os guardiões da floresta aqui, mas temos guardiões que olham por nós lá fora. E isso é muito gratificante.”
Dias depois, na cerimônia virtual da premiação, seu depoimento em vídeo teve um tom mais dramático: “Imagine ser uma agricultora, viver na Amazônia e acordar todas as manhãs com medo de criminosos que rondam sua casa em motocicletas, que simulam túmulos no seu quintal.” Estava se referindo ao dia em que acordou e se deparou com duas cruzes fincadas perto de sua casa, num claro gesto de intimidação.
Por sua luta em defesa da floresta, Osvalinda tornou-se a primeira brasileira a receber o prêmio, cujo nome homenageia o diplomata sueco Harald Edelstam (1913-1989), conhecido também por sua coragem. Na época da Segunda Guerra Mundial, ele ajudou centenas de judeus e militantes da resistência a fugir dos nazistas. Décadas depois, agiu para que outras centenas de pessoas escapassem da prisão ou da morte no Chile, após o golpe militar de 1973.
EXEMPLO DE RESILIÊNCIA E DEFESA DO MEIO AMBIENTE
Osvalinda é um dos líderes do Projeto de Assentamento Areia, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no município de Trairão, a novecentos quilômetros de Belém. Sua missão inclui o reflorestamento de áreas desmatadas para extração de madeira e a promoção de uma agricultura orgânica sustentável.
O júri que decidiu lhe conceder o prêmio destacou que ela “tem se posicionado de forma destemida contra as redes criminosas em seu trabalho de defender a Floresta Amazônica, aderindo assim ao compromisso da sociedade civil brasileira de reduzir as emissões de gases do efeito estufa e contribuir para a mitigação do aquecimento global”.
Na cerimônia do prêmio, a presidente do júri, Caroline Edelstam, neta de Harald, considerou a trabalhadora rural brasileira “um exemplo importante da resiliência necessária para proteger e defender o meio ambiente”. E acrescentou: “As autoridades têm falhado em implementar e fiscalizar suas leis ambientais na Amazônia.” Acompanharam a solenidade a alta comissária da ONU para direitos humanos, Michelle Bachelet, e o primeiro-ministro da Suécia, Stefan Löfven.
As ameaças a Osvalinda tiveram início em 2012, quando ela criou a Associação de Mulheres local, com o intuito de capacitar agricultores e difundir seu projeto de agrofloresta. Segundo o site Mongabay, madeireiros e fazendeiros lhe propuseram, na ocasião, encerrar as atividades e montar uma guarita para cobrar propina de caminhoneiros que transportavam madeira extraída de forma ilegal. Ela se recusou. Pistoleiros e motociclistas suspeitos passaram a rondar sua casa.
Após o episódio das duas cruzes no quintal, em 2018, Osvalinda e o marido, Daniel, deixaram a região. Tempos depois, voltaram, mas as intimidações recomeçaram. “Aqui é um lugar que foi esquecido pelo governo. Ninguém olha pra gente. Aqui o que manda é o dinheiro, é quem tem poder”, disse a agricultora no vídeo exibido na cerimônia de sua premiação.