Descobri o interesse por plantas muito cedo. Meu encanto teve início pelas espécies ornamentais e posteriormente as medicinais, o que me levou a cursar uma universidade na área rural e logo morar em meio à floresta, fortalecendo a conexão com a natureza. Além disso, nunca gostei da medicação tradicional, e quando criança tive pouco contato com os alopáticos.
Minha preferência estava nos chás, mel, própolis e gengibre. A menta colhida fresca no quintal, o alecrim para temperar o peixe, o cheiro-verde, o guaco para fazer xarope, o doce cheiro da lavanda, o amargor da arnica e do boldo, o aroma misterioso do patchouli, as ervas para curar dor de cabeça, aquelas para tirar vermes e ainda as repelentes.
A infinidade de possibilidades desse universo me cativou e continuou me envolvendo com a medicina natural, despertando a vontade de conhecer ainda mais as plantas e seus usos. Durante a graduação, tive a oportunidade de fazer um estágio voluntário no grupo de ervas e integrar o grupo de agroecologia.
O interesse pelo conhecimento advindo das plantas me instigou a entender sua força, seus processos de cura e suas formas de uso, mergulhando na magia desse universo. Ficava impressionada com as barracas de ervas em feiras e mercados populares. Eram as primeiras que eu visitava, pois me chamavam mais atenção. A quantidade de ervas secas, tônicos, xaropes, unguentos, pomadas, defumadores e ervas para todo tipo de cura me encantava, assim como o conhecimento das erveiras, donas das barracas.
CONHECIMENTO TRANSMITIDO DE MÃE PARA FILHA
As erveiras sempre foram associadas com os saberes tradicionais e populares das plantas. Saberes estes milenares, de cura, e advindos dos indígenas, das comunidades quilombolas, das parteiras e de outras populações ancestrais. Neste sentido, o trabalho com as ervas em geral é considerado uma atividade principalmente feminina, tendo como laboratório os quintais de nossas casas e o conhecimento passado de mãe para filha.
As erveiras possuem conhecimentos e segredos da floresta, tais como o poder de transformar plantas em unguentos, pomadas, chás, garrafadas, tinturas e defumadores.
Durante o processo de colonização, os saberes ancestrais das erveiras foram negados pela sociedade. Perderam a visibilidade e foram desacreditados. O resgate dessa tradição é essencial. Reconhecer, respeitar e valorizar esses saberes nos permite conectá-los à nossa cultura.
Dentro desse contexto, procurei me agrupar a mulheres que, assim como eu, moram na serra da Mantiqueira e guardam esses conhecimentos. O Círculo de Mulheres Erveiras da Mantiqueira é uma iniciativa de Patrícia Carvalho, uma conhecedora das plantas e suas curas, com o objetivo de repassar seus saberes a quem se interesse.
Formado por aproximadamente dez mulheres, o Círculo pauta suas atividades no compartilhamento de conhecimento em reuniões semanais, nas quais produzimos chás, desidratamos plantas, colhemos, cuidamos, fazemos defumadores, xaropes, pomadas e estudamos plantas. Essas práticas aprofundam a sabedoria acerca das plantas, suas funções e utilidades medicinais.
MERCADO E REGULARIZAÇÃO DA ATIVIDADE NO BRASIL
A fitoterapia é a mais antiga prática de cura, uma sabedoria ancestral. Há mais de 14 mil anos, diferentes povos já utilizavam plantas para tratar doenças. Há registros dessa prática em civilizações como a egípcia e chinesa, para cura e ainda fins espirituais e estéticos.
No Brasil, esse conhecimento se perpetua principalmente entre indígenas, quilombolas, ribeirinhos, adeptos de religiões de matrizes africanas, benzedeiras e rezadeiras. Sendo assim, a fitoterapia é um recurso de prevenção e tratamento de doenças que se utiliza de plantas, partes de plantas e preparações feitas com plantas.
Em 2006, o Ministério da Saúde aprovou a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. As diretrizes foram detalhadas no Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, cujo objetivo é “garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional”.
O mercado brasileiro comercializa medicamentos fitoterápicos como Passiflora sp., Valeriana officinalis, Hypericum perforatum, Piper methysticum e Melissa officinalis. Entretanto, ainda que o conhecimento científico moderno esteja em paralelo aos saberes ancestrais, desacordos permanecem presentes. Por isso, faz-se necessário o fortalecimento e incentivo do uso de plantas medicinais. Entre profissionais de saúde, ainda há desconhecimento em relação à diversidade de terapêuticas e suas possíveis implantações no Sistema Único de Saúde.
A fitoterapia e o uso de plantas medicinais são saberes transmitidos principalmente por meio da oralidade familiar e popular. Neste sentido, há desafios à legitimação da prática e a sua aceitação pela população. Somos um país multicultural. É preciso ultrapassar barreiras e preconceitos para ampliar esse conhecimento.
Lucia Collaço, administradora, educadora popular e erveira.