O conceito de comfort food não é novo, mas voltou a ser considerado uma tendência forte no mundo, inclusive no Brasil, por conta da pandemia. Trata-se do que vem sendo traduzido aqui como comida afetiva. Pode ser aquele prato que a vovó fazia ou mesmo um simples cachorro-quente que remete a um momento especial. É, principalmente, uma comida que desperta a lembrança de boas experiências, traz emoções pelo paladar e gera bem-estar.
Geralmente, a comida afetiva não tem nada de sofisticada. A feijoada e o bife com batata frita são bons exemplos do que costuma povoar o imaginário dos brasileiros. Mas poderia ser também aquele prato requintado degustado num encontro romântico. Ou seja, não é um tipo específico de comida, mas sim o efeito que ela produz em quem come.
“Em geral é aquela comida caseira, aquela comida que te abraça, te conforta”, diz a nutricionista Margot Carone, que oferece dicas de culinária no Instagram e no blog MargotsKitchen. “Eu comparo àquela sensação de quando a gente está com muito frio e entra embaixo do cobertor. A comida afetiva vai aquecendo a gente por dentro.”
Margot diz que é comum as pessoas recorrerem a esse tipo de comida quando estão saudosas, tristes ou preocupadas, o que explicaria a volta do conceito durante a pandemia. “Não é à toa que milhões de pessoas começaram a assar pães e bolos durante o confinamento”, observa.
Nos EUA, uma pesquisa de opinião realizada com duas mil pessoas pela OnePoll, em parceria com a empresa de alimentos Farm Rich, durante a pandemia, constatou que dois terços delas estavam “voltando a pratos favoritos na infância”.
“Quando as coisas estão inquietantes, são as pequenas alegrias que nos fazem superar as dificuldades, seja o FaceTiming com a família e os amigos ou os vínculos fortes com refeições caseiras”, comentou Ciera Womack, gerente de marketing da Farm Rich. “E como as respostas [na pesquisa] mostram, às vezes é a busca de conforto em certas comidas que nos dá alívio.”
SENTIMENTOS DE AMOR, GRATIDÃO E UNIÃO
Fundadora e CEO da Gastronômade Brasil, empresa especializada em eventos gastronômicos, Renata Runge afirmou ao site Food Service News que “as pessoas têm buscado resgatar o contato com a natureza e as relações pessoais tão distanciadas e superficiais pela tecnologia atual”, o que ela relaciona à procura por comfort food. Mais do que ingredientes, disse ela, o que torna uma comida afetiva são o ambiente e as relações pessoais. Entram aí o fogão a lenha, a panela de barro e as receitas antigas. “O preparo da comida afetiva deve ser em ambiente carregado de sentimentos positivos de amor, gratidão, união”, recomendou.
Também em depoimento ao Food Service News, Max Jaques, chefe de cozinha e pesquisador da plataforma Instituto Brasil a Gosto, associou a comida afetiva a tendências como “a necessidade de desindustrializar os alimentos, comer local, orgânico, simples”.
Max observou que “para cada pessoa haverá um entendimento do que lhe gera afeto, lembrança, memória, conforto”. Não há regras, enfatizou, mas em geral não são preparos gourmetizados. “Há um traço marcado de rusticidade, mas que não deve ser confundido com falta de técnica, de jeitos adequados de preparo”, analisou.
Para o chef, é importante que estejamos cada vez mais relacionando comida com afeto. “Esse é um ganho, é fundamental”, disse ele. “Essa associação nos coloca mais presentes na nossa relação com o alimento. E é também disso que o mundo precisa.”