Pequenos agricultores paulistas estão adotando técnicas orgânicas com um objetivo nobre: salvar o aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios de água doce do planeta, estendendo-se por 1,2 milhão de quilômetros quadrados. A iniciativa faz parte do programa Gigante Guarani, que visa a recuperar o subsolo de uma área de 200 hectares de Mata Atlântica. O processo alia replantio de vegetação nativa e implantação de agrofloresta. E os sinais de recuperação começam a surgir.
No município de Itatinga, o casal de agricultores Luís Carlos e Aparecida Farias se disse satisfeito com os resultados obtidos em suas terras ocupadas por um pomar de mexericas e abacates e uma horta orgânica. “O plantio foi feito com o pessoal da ONG e meu marido”, contou Aparecida ao site Acontece Botucatu. “Um ano depois, está uma beleza, principalmente depois das chuvas. As formigas não atacaram, está tudo indo muito bem e até a água já aumentou.”
O casal utilizou um método de plantio chamado “muvuca de sementes”, que mistura sementes de árvores nativas, adubos verdes e sementes agrícolas. “Temos quatro minas e um riozinho em nossa propriedade. Era preciso proteger essa área, a natureza e preservar a propriedade, que é a herança para nossas duas filhas e netos”, disse Aparecida.
Conforme explicou ao Globo Rural o diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas da Universidade de São Paulo, Ricardo Hirata, é nessa etapa do processo de recuperação que a produção rural pode afetar o ciclo do Guarani. “Sabemos que na atividade agrícola, quando mal manejada, o excesso ou uso não bem gerenciado de agrotóxicos pode contaminar as águas subterrâneas”, disse ele.
Em sua maior parte, o aquífero está centenas de metros abaixo do solo. Em alguns trechos, porém, ele aflora e chega a formar nascentes de rios. Como é coberto na maior parte de sua extensão, esse imenso manancial necessita de rochas e solo para ser reabastecido. Daí a importância da recuperação das matas.
AQUÍFERO ABRANGE OITO ESTADOS BRASILEIROS
Para os agricultores, a adesão ao Gigante Guarani representa, além de uma alternativa econômica, uma oportunidade de aprender a cultivar alimentos de forma agroecológica, de se adequar à legislação ambiental e de cultivar viveiros e espécies nativas que eles podem comercializar em suas regiões.
Os 200 mil hectares que o programa pretende recuperar ficam no entorno de mananciais em áreas de preservação permanente dos municípios paulistas de Itatinga, Bofete e Pardinho. É no estado de São Paulo que o aquífero apresenta sua maior potencialidade, abastecendo total ou parcialmente duzentos municípios. Com mais de 600 mil habitantes, a cidade de Ribeirão Preto é inteiramente abastecida por suas águas.
Considerado patrimônio da humanidade, o aquífero tem um volume de cerca de 165 milhões de litros de água, ou 45 mil quilômetros cúbicos. Setenta por cento desse manancial estão em território brasileiro, abrangendo, além de São Paulo: Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. O Guarani se estende ainda por Argentina, Uruguai e Paraguai.
Lançado oficialmente no ano passado, o projeto de recuperação florestal tem financiamento do BNDES e parceria com a secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Botucatu. Mas é fruto de um trabalho iniciado em 2004 por duas ONGs, os institutos Giramundo e Itapoty. Outras ONGs e instituições se juntaram à iniciativa ao longo do caminho.
Celina Côrtes é jornalista, escritora e mantém o blog Sair da Inércia.