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André Simões e o êxito do Projeto sem Fome

Era fim de março, e a pandemia já causava estragos. O carioca André Simões, 54 anos, investidor do mercado financeiro, saía do terminal rodoviário Menezes Côrtes, no Centro do Rio de Janeiro, quando se deparou com uma fila de duzentos miseráveis aguardando a vez de receber pão com margarina e cafezinho, distribuídos por um homem humilde. Atordoado com a cena, no dia seguinte ele telefonou para o restaurante Spoleto e encomendou dez refeições de ravióli de carne com molho à bolonhesa, brócolis e, para dar sustância, ovos de codorna. Com a ajuda de um funcionário do restaurante, foi ao Centro distribuir a comida, enfrentando as temidas aglomerações.

Os dois iniciaram o trabalho pela rua da Assembleia. “Logo vi uma moça magrinha, deitada na frente de uma vitrine, comendo um biscoito”, conta Simões. “Eu disse: ‘Guarda o biscoito para depois’, e lhe dei a marmita. Ela não acreditou. Aquela comida quentinha, com queijo ralado, talherzinhos. Agradeceu, emocionada. Apareceu outro, dizendo que estava com muita fome, e logo adiante mais duas senhoras, todos na rua. Um senhor perguntou: ‘Tem pra mim?’. E chamou um amigo que sequer conseguia se levantar, de tanta fraqueza. As pessoas aplaudindo.”

No sábado seguinte, ele deu prosseguimento à distribuição de alimentos. Acompanhado da filha, Eva, de 17 anos, comprou um monte de salgadinhos e foi de novo ao Centro do Rio. O bairro foi priorizado por Simões em função do esvaziamento que sofreu durante a pandemia. Ruas desertas, restaurantes fechados e ninguém passando para ajudar a matar a fome da população de rua que dorme sob marquises.

Assim nasceu o Projeto sem Fome, que foi conquistando adesões aqui e ali. A amiga Georgia Buffara, à frente do organização Bees of Love, dedicada a ações sociais, conseguiu do Spoleto uma doação de mil refeições de ravióli. Outro amigo emprestou um galpão na Zona Portuária do Rio. Outro trouxe um trailer, e outro ainda, dois freezers. O Banco Pactual e mais pessoas fizeram doações. Com um grupo de mães da Escola Britânica, Simões conseguiu embalagens de alumínio para comida. “Eles pedem muita água, que compramos com vaquinhas. São mais de trinta pessoas se envolvendo, e eu organizando”, descreve ele.

 

O TIO COMO INSPIRAÇÃO

Talvez nada disso tivesse acontecido não fosse André Simões sobrinho e afilhado de Sergio Vieira de Mello, diplomata da ONU que dirigiu com brilho programas humanitários. Morto em 2003, num atentado a bomba em Bagdá no qual morreram outras 21 pessoas, Sergio era irmão de Sonia, mãe de Simões. A data de sua morte, 19 de agosto, tornou-se Dia Mundial Humanitário.

“Cresci ouvindo suas histórias”, diz Simões. “Como filósofo poliglota, habilidoso, carismático e encantador que ele era, eu não entendia por que se arriscava tanto no campo e nas guerras. ‘É lá que as pessoas precisam de mim’, costumava dizer. Passou a carreira arriscando a vida, até que perdeu a própria.”

Assim como o tio, Simões se encanta com as atitudes de solidariedade que presencia entre os miseráveis que ajuda. “Chegávamos com comida e água, e muitos ficavam só com a água. Ao contrário da nossa sociedade burguesa, eles não acumulam. Preferem dar a comida a outro que ainda tem fome, porque mataram a deles. Comecei a sentir o barato de Sergio de viver essas situações de sofrimento, de aprender com essas pessoas.”

Como maestro dessa orquestra que se tornou o Projeto sem Fome, Simões se organiza para dar conta do trabalho social e ainda cuidar da mãe, da avó Gilda, das planilhas do mercado financeiro e do casamento com Renata, que lhe deu Eva. E ainda é membro da Fundação Sergio Vieira de Mello, com sede em Genebra e presidida por Laurent Vieira de Mello, filho do diplomata.

A experiência no mercado financeiro lhe permite “esticar” o dinheiro das doações. Simões tem visitado instituições, como o asilo da prefeitura, onde se chocou com o peso da depressão que encontrou. Sua reação foi doar jogos de dominó e baralhos, que dias depois lhe trouxeram a alegria de vê-los num torneio organizado por internos.

O fato de ter crescido acompanhando as crises humanitárias enfrentadas pelo tio certamente contribuiu para sua expertise em ações sociais, bem como para não temer o contágio da Covid 19, exposto como esteve. “Até agora, distribuímos 26.160 marmitas”, contabiliza, com satisfação. Dois carros circulam fazendo esse trabalho. “Me sinto nessa onda de luz, de saúde e amor”, diz ele. “Não pego doença. Estou sintonizado na frequência do bem.”

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