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Chefs buscam resgatar culinária original brasileira

Uma das frases célebres da primeira carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, após sua chegada ao Brasil, é: “Em se plantando, tudo dá”. Mal sabia, porém, o escrivão da frota de Cabral que, durante os anos de colonização, alimentos fundamentais para os indígenas seriam renegados pelos portugueses. É justamente essa tendência, dominante durante séculos, que alguns chefes de cozinha brasileiros vêm tentando reverter.

Em meio à pandemia, a chef paulista Débora Shornik abriu em Manaus – foco do vírus! – o Biatüwi, primeiro restaurante de comida indígena do país administrado por indígenas. Ali, o casal João Paulo Barreto, de etnia Tukano, e Clarinda Ramos, de etnia Sateré-mawé, serve pratos como quinhapira, um ensopado de peixe com tucupi que vem acompanhado de formigas maniwara e farinha de mandioca.

“Queremos que os jovens indígenas, mesmo os que hoje vivem na cidade, tenham orgulho de suas tradições culinárias, e que não digam que pizza é sua comida preferida apenas por terem vergonha do que seus pais os ensinaram a comer”, disse Barreto à BBC.

Já em Salvador, o chef Fabrício Lemos procura fortalecer a autêntica comida baiana em seu restaurante Origem. Para isso, ele criou também um projeto que visa a atrair chefes de cozinha brasileiros para cozinhar em seu estabelecimento. Assim, eles aprendem e reproduzem essa culinária nativa.

Lemos resgatou o efó, refogado de origem africana semelhante ao caruru. Os ingredientes incluem a planta língua-de-vaca, camarão seco, castanha e amendoim. Criou também o que chama de abarajé, um abará empanado e frito que vem com vatapá, tal qual o acarajé.

 

INFLUÊNCIA CULINÁRIA EUROPEIA IMPEROU

Sobre seus pratos nativos, Lemos afirmou: “O intuito não é só tirá-los da sombra, mas fazer com que a cultura por trás deles também não desapareça. Se não os trouxermos para a mesa, ela vai desaparecer, e com isso desaparece parte da nossa história, que nunca foi bem destacada.”

O chef lamentou ter que comprar em outros estados o óleo de dendê, tão usado na culinária baiana. Por outro lado, a Bahia já produz azeite de oliva, uma herança portuguesa. Para ele, isso “é uma prova de como a nossa cozinha, que advém de uma matriz tão significativa quanto a africana, foi reprimida pelos séculos porque tinha origem nos escravos”.

A história mostra que o europeu conheceu a batata, o milho e o tomate no continente americano, e os introduziu em suas terras. Mas esse europeu esnobou as culinárias indígena e africana, impondo seus hábitos culinários a nós, bem como muitos de seus ingredientes.

“Para os portugueses que chegaram aqui só fazia sentido produzir os ingredientes que lhes eram conhecidos, e não olhar para o que o índio cozinhava, por exemplo”, observou a chef paulista Bel Coelho.

Ela disse ter sentido a necessidade de resgatar nossas origens gastronômicas ao viajar pelo interior do Brasil e conhecer povos indígenas e quilombolas, bem como cozinheiras domésticas e pequenos produtores. No cardápio de seu restaurante Cuia Café, em São Paulo, os ingredientes incluem tucupi, aridã e mel de jataí.

Não que a chef pretenda negar os quinhentos anos de colonização portuguesa em nossa gastronomia, pelo contrário. “Não há dúvida que esse caldo cultural do pós-colonialismo enriqueceu nossa cultura em muitos aspectos”, disse ela. Sua proposta, afirmou, é “um novo olhar, generoso e humilde, sobre o que foi de fato encontrado nessas terras quando os europeus chegaram aqui”.

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