Há décadas a vegetação nativa do Cerrado vem sendo devastada por práticas disseminadas de agricultura e pecuária, que ameaçam recursos naturais dos quais milhões de pessoas dependem para sobreviver. Uma rede alimentar sustentável vem agindo, porém, na contramão desse processo de destruição. É formada por comunidades que cultivam espécies nativas para matar a própria fome e ainda gerar renda, como nos conta o site Mongabay.
Dessa rede fazem parte pequenos agricultores que incluem indígenas e quilombolas. Com o apoio de organizações ambientais e chefes de cozinha, eles estão levando à mesa dos brasileiros – e também ao mercado internacional – produtos como castanha de baru, coco de macaúba e babaçu. Para isso, formam cooperativas e associações calcadas em produção sustentável. Assim, exploram a diversidade do Cerrado ao mesmo tempo que a preservam.
Um desses movimentos é a associação Amanu, que reúne comunidades do entorno de Jaboticatubas, Minas Gerais. O grupo conta com o apoio da Fundação Slow Food para a Biodiversidade, dedicada a projetos agrícolas que conservam a biodiversidade e a cultura locais.
Formada em 2008 por 67 famílias de quinze comunidades da região, a Amanu virou Fortaleza Slow Food, uma certificação de sustentabilidade ambiental e prática de produção justa que ajuda a garantir um sistema de venda e assistência técnica. Marcelo de Podestá, facilitador regional da Slow Food Brasil, afirmou ao Mongabay que iniciativas como essa “salvaguardam o patrimônio cultural, mantêm as comunidades intactas e protegem um ecossistema em perigo”.
ALIMENTOS SÃO APROVEITADOS EM SUA INTEGRIDADE
Uma das riquezas naturais de Jaboticatubas é a palmeira de macaúba. Seu coco é inteiramente aproveitado. Dele se faz uma farinha usada em pães e biscoitos. Os moradores também costumam cobri-lo de capim e melaço para que fermente. Depois, espremem a polpa para extrair um óleo usado na cozinha e ainda em lamparinas e produção de sabão.
A castanha de baru é outro exemplo de produto nativo capaz de alimentar e gerar renda. Em Goiás, cerca de trezentas famílias coletam, torram e comercializam esse superalimento – rico em proteínas e minerais e com 25% menos de gordura e mais fibras que as demais castanhas. Por meio de uma cooperativa, elas venderam 15 mil toneladas de baru em 2019.
Cada vez mais popular e apreciada, a castanha de baru é torrada para consumo próprio ou venda. Dela se faz manteiga e farinha. A polpa é ingrediente de doces. Já a casca vem sendo usada de forma experimental para produção de biomassa pela InterCement, uma empresa de cimento. E o rápido crescimento de sua árvore a credencia para projetos de reflorestamento.
A diversidade de alimentos do Cerrado inclui ainda mel, gergelim produzido por quilombolas da comunidade dos Kalungas e frutas como mangaba, pequi e cagaita.
PRÁTICAS DE CULTIVO CONSERVAM RECURSOS HÍDRICOS
Por meio do projeto Cerrado no Prato, chefes de cozinha famosos como Bela Gil e Alex Atala adotaram o lema “Queremos ver o Cerrado no prato do Brasil e do mundo”. Eles vêm usando produtos cultivados por pequenos agricultores em sua culinária. Com isso, aumentam a demanda e a popularidade de alimentos regionais. Com a ajuda de organizações, esses produtos chegam também a lojas especializadas em grandes cidades.
Conhecido como a savana brasileira, o Cerrado tem uma área de 1,9 bilhão de quilômetros que se estende por dez estados e abriga aproximadamente 10 mil espécies vegetais. É um dos maiores e mais ameaçados biomas do Brasil, castigado por agronegócios de soja e milho, entre outros produtos, e pela criação de gado.
Diferentemente do que praticam grandes indústrias, os pequenos agricultores do Cerrado costumam respeitar ciclos sazonais de plantio e queimadas, conservando recursos hídricos preciosos num ambiente que permanece seco durante metade do ano.
Para Maria Oliveira Cruz, professora e agricultora em Buracão, Minas Gerais, é preciso um modo de produção humanizado que não priorize apenas o lucro. “Somos tão dependentes do meio ambiente quanto outras espécies”, disse ela.