Conhecida como “hormônio do sono”, a melatonina vem sendo comercializada em farmácias brasileiras desde dezembro. Graças à liberação das vendas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), consumidores podem comprá-la em comprimidos ou gotas. Especialistas vêm criticando, porém, a medida, a começar pela permissão para venda sem receita médica. Eles também alertam para riscos à saúde e recomendam a orientação de um profissional antes de usar a substância.
Médica com especialização em medicina do sono, Fernanda Chibante se diz a favor da comercialização de melatonina no Brasil, desde que com prescrição médica. “Tenho uma preocupação grande com o uso abusivo da medicação, que, como qualquer substância, tem efeitos colaterais”, afirma ela ao R.evolution Club.
Chibante explica que a principal indicação de melatonina é para tratamento de transtornos relacionados ao ciclo circadiano (sono e vigília). Nesse caso, diz ela, é preciso que um profissional da área indique a dose correta. Outro uso da substância é para tratamento de insônia, o que também deve ser avaliado por um profissional, afirma.
A especialista observa que, muitas vezes, práticas de higiene do sono corrigem problemas de insônia, não exigindo uso de melatonina. Ela diz temer que, sem orientação profissional, as pessoas usem doses erradas da substância e deixem de fazer terapia cognitivo-comportamental, considerada a primeira opção para tratamento do distúrbio.
ADVENTO DA ELETRICIDADE ALTEROU SECREÇÃO DO HORMÔNIO
O uso de melatonina em doses inadequadas pode causar efeitos adversos, como dor de cabeça, irritação e sonolência ao longo do dia. Pesquisadora do Instituto do Sono de São Paulo e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a neurologista Dalva Poyares afirmou à BBC: “Ainda não existe um consenso de qual é a dose adequada para obter um efeito terapêutico nos pacientes que têm indicação de uso.”
Poyares considerou estranho que a melatonina tenha sido enquadrada no Brasil como suplemento alimentar. “Não há consenso algum de quando há uma deficiência desse hormônio no organismo”, disse. “Não existe sequer uma diretriz no mundo que indique a melatonina como tratamento para insônia.”
Nos Estados Unidos e em vários países da Europa, a venda de melatonina é livre, o que não deve significar uma carta branca para o consumo. “É preocupante que a melatonina seja vendida como se fosse um picolé”, afirmou à BBC o neurocientista Fernando Mazzilli Louzada, coordenador do Laboratório de Cronobiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Não estamos falando de uma substância inócua e seu uso errado pode trazer problemas.”
A melatonina é produzida naturalmente pela glândula pineal, localizada no centro do cérebro, a partir do anoitecer, de modo a nos preparar para o sono. Durante o dia, sua produção é interrompida. O ciclo de sono e vigília pode, no entanto, sofrer perturbações, como a exposição à luz durante a noite. Com o advento da eletricidade, houve alterações na secreção do hormônio. O uso de telas de TV e celular também é um fator que pode alterar sua produção no organismo.
A melatonina é encontrada, em pequenas concentrações, em frutas como abacaxi, banana, cereja, laranja, mamão, manga, morango e uva. E também em tomate, azeitona, cereais, vinhos, leite e carnes. Louzada advertiu: “Muitas vezes, antes de pensar em prescrever a melatonina, podemos tentar uma série de mudanças em comportamentos e hábitos para melhorar a quantidade e a qualidade do sono.”