Entrei no time que tem direito a gratuidades, que pode ter privilégios por, supostamente, estar fragilizado. É certo que muitos desse time estão, sim, passando perrengue, mas confesso que me sinto bem. Uma barriguinha que incomoda mais a Patrícia do que a mim, um joelho que tem dado tilti de vez em quando e só. A cabeça está ótima, apesar de tudo.
Ainda somos os mesmos, Elis, mas não como nossos pais. Temos uma mobilidade absurda, está muito fácil pirulitar por aí e nem a língua é problema. Vejo tantos jovens por aqui viajando sozinhos em suas bikes, inclusive mulheres, com pouca grana, vivendo o presente, com hábitos de consumo absolutamente diversos daqueles de nossos pais, e dos meus.
Aqui na Europa dá para sentir melhor a rápida transformação dos costumes, a velocidade com que a tecnologia interfere no cotidiano. Exaustor de cozinha está indo para o saco. Já existem modelos que sugam os vapores lateralmente. Uma fortuna, mas é incrível ver a fumaça sendo tragada de banda.
A geringonça da política até ontem funcionando. As figuras do primeiro-ministro e do presidente diariamente na mídia, a troca de muitos postes de iluminação – lindos e em perfeito funcionamento – por outros novos em plena campanha política municipal, o sumiço dos turistas, o frio, a chuva, as despesas não previstas com o carro. A volta ao Brasil de muitos de nós, inclusive de uma grande cliente (snif), enfim, coisas que já conhecíamos bem e outras nem tanto.
Falar de pandemia não quero. Já está todo mundo falando. Minha opinião será fruto do que escuto por aí. Nada original. Tenho uma amiga que aproveita esses momentos de pânico para viajar barato. Não é o caso agora por falta total de voos, mas em plena vaca louca ela foi para a Inglaterra rosetar. São oportunidades das quais os mais seguros passam longe.
Sou um pouco atrevido, arrisco às vezes. Incutir o medo é uma arma tão sacana, poderosa e eficiente que meu lado cigano fala mais alto e saio. Só uma coisa: uso máscara, gel, vou me vacinar tão logo consiga e não sei em quem votar em 2022. Em quem não vou votar acho que está claro, né? Aliás, o que fizeram com o meu país?
Cascais é incrível. Para quem pode e até para nós, pobres mortais. E acabo de receber uma dica de uma cachoeira linda em Sintra, a dezenove minutos de carro aqui de casa. Assim que esquentar lá vou eu. Sou expert em cachoeiras.
O mar é outra coisa séria. Para quem veio das montanhas – e as daqui também são de babar – o mar é responsável por mudanças profundas na minha maneira de sentir. É poderoso, intenso, mutável, desafiante, amedrontador e calmo. Um ir e vir incansável de emoções. Tardei a compreender sua importância para minha saúde mental. Sim, amigos mineiros, as montanhas de minério nos prendem, nos dão conforto, segurança, pé no chão, cachoeiras mil, mas limitam. O mar é sem fim.
Sinto isso agora. Nessa época de inverno, o mar fica de um jeito medonho. Ondas enormes esborracham nos paredões. É quando entra o vento terral. Aprendi outro dia o significado óbvio: é o vento que vai da terra para o mar. As ondas recebem esse vento como um pente que empurra suas cristas para trás, formando outra franja em sentido contrário.
Ano passado fomos a Nazaré ver as big waves, a big loucura desses ciganos do mar que têm muito, mas muito, desapego e tesão pela vida. Não sei como um astro de futebol pode dar mais emoção do que um cara se equilibrando em um pedaço de tábua sobre uma massa de água de trinta metros, que ainda por cima arrebenta sobre toneladas de água. Esses caras são verdadeiros astros. Não tem enganação, homem da mala, fortunas descabidas. São pessoas incríveis que vivem nas califórnias da vida surfando momentos solitários e tão perigosos.
Outro privilégio raro para meus olhos de mineiro bicho do mato é ver barcos, veleiros, iates incríveis. Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda, Dinamarca, Suécia, França e outros têm suas bandeiras flanando em mastros riquíssimos. Vi veleiros inteiramente da madeira, feitos por artistas anônimos. Marinheiros impecáveis perfilados, operando velas e cabos. Uma estética pouco vista.
Meu dia foi ótimo, junto da mulher que amo e de meus dois filhos adoráveis com meus “netos peludos”. Estou falando, Elis, já não somos como nossos pais.
Angel Eguinoa é chefe de cozinha e mora há dois anos em Portugal.