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Nós, os heróis do cotidiano

O antropólogo e filósofo Joseph Campbell pesquisou mitos de todas as tradições e concluiu que, no fundo, havia apenas uma história. Ele a chamou de “a jornada do herói”. A vida de cada um de nós é uma jornada heroica, em que somos o personagem principal, o herói.

Heróis não são apenas aqueles que vivem grandes aventuras e realizam grandes feitos. Somos os heróis no cotidiano de nossas vidas. Temos nossa própria jornada heroica, enfrentando os desafios diários, aprendendo dia após dia a entender a nós mesmos e a aprimorar a habilidade de viver.

Escutei essa expressão heróis do cotidiano do coach e consultor de liderança Fred Kofman. E a tomei emprestada. Refere-se àqueles que trabalham diariamente para concretizar seus sonhos, lidando com vitórias e fracassos, refazendo e recomeçando, aprendendo a lidar com a frustração sem perder o entusiasmo e o foco no objetivo.

Heróis somos nós, que levantamos o corpo da cama com a força da mente, mesmo quando ele não quer. Nós, que nos desafiamos a desbravar novos espaços, mesmo experimentando dúvida e medo. Nós, que sabemos que viver não é apenas respirar, é algo muito mais sério e profundo, mas que ainda assim tem que ser levado, sempre que possível, com leveza e humor. Nós, que sabemos que ser herói inclui ser guerreiro.

E ser guerreiro inclui alguns ferimentos. Não temos como evitar. Mas estamos prontos porque há algo muito maior aí: nosso compromisso com a própria vida. A consciência da responsabilidade com a nossa própria vida.

Na minha visão, a vida tem vários grandes capítulos e também pequenos capítulos, que são os nossos dias. Esses minicapítulos acontecem no nosso cotidiano. Podemos desenvolver a arte de viver o cotidiano.

Fernando Celis, master life coach e CEO da International Coaching Academy, fala sobre a aventura heroica como o processo da vida de cada um. Ao longo da vida, crescemos e nos desenvolvemos, passando por vários obstáculos. E expressamos no mundo o potencial que trazemos na alma.

Acredito que quando a nossa alma entra nessa vida, aceita essa convocação para viver a grande aventura heroica. Celis afirma que não somos nós que tomamos essa viagem. A vida é que nos toma nessa viagem, que vai nos conduzindo.

Todos têm momentos difíceis em que se desesperam, pensam em desistir, precisam rever a si mesmos e a seu propósito, rever os recursos que possuem e buscar adquirir os que ainda não possuem.

Celis afirma que Ken Wilber, considerado o maior filosofo do século 21, propõe basicamente duas coisas em sua teoria: desperte e cresça. Desperte: tome consciência, aperceba-se de sua vida, do que ocorre dentro de você em sua vida. Cresça: amadureça, aceite os desafios para crescer com eles, expanda e ponha para fora todo o seu potencial por meio dos desafios que aparecem.

A vida nos apresenta várias possibilidades de crescimento, que chamamos de obstáculos. Eles dificultam a nossa vida, mas são situações que a vida nos coloca para produzir crescimento.

O escritor Carlos Castanheda afirmou que um guerreiro nunca pergunta “Por que está acontecendo isso?”. Em vez disso, ele diz: “Que maravilha que está acontecendo esse desafio, porque é através disso que eu vou crescer.”

Um guerreiro não dá as costas para um desafio, porque um desafio é uma oportunidade de crescer. Não se enfurece, não se irrita ou reclama da vida por causa de um desafio. Um desafio é uma possibilidade de ir adiante.

Desperte, tome consciência de que esse é o momento para realizar sua vida, para se expressar no mundo. E esse momento é finito.

Um ensinamento budista: Se todos os dias lembrássemos da morte – no sentido de que o tempo de vida é finito, vai terminar, tem um início e um fim – talvez vivêssemos a vida de forma diferente.

Para Celis, é importante se dar conta de que muitas vezes o que está nos estressando e causando dor não é propriamente a situação, mas a maneira como a estamos percebendo. A forma como estamos interagindo com essa situação, como a olhamos, é que a torna difícil ou dolorosa.

Há várias formas de olhar uma mesma situação. Às vezes, escolhemos a pior e fixamos o olhar ali, cristalizamos ali. Esquecemos de experimentar olhar por outro ângulo, ou com outros óculos.

Na vida, temos que ir nos tornando cada vez mais experientes. Para um eterno principiante, a vida pode não ser nada fácil. Quanto mais experiente, menos sofrimento, porque dançamos a vida com ritmos e passos variados.

Kofman ensina: Quando estamos vivendo uma situação de estresse, ficamos focados naquele ponto crucial, onde está difícil. Só vemos aquilo. Perdemos a percepção do entorno. É no entorno desse ponto crucial que estão as possibilidades.

As possibilidades estão sempre na periferia, e não no centro do problema. Quando estamos estressados, olhamos somente para o centro do problema.

É preciso treino. Na meditação, treinamos isso, saindo de qualquer foco definido e deixando a mente aberta, receptiva, sem se apegar a nenhum foco definido. Saímos da visão restrita, focada no problema, e adotamos uma visão de grande angular, em que temos distanciamento para ver todas as possibilidades que estão no entorno da situação.

Ao se dar conta do que está acontecendo com sua vida, e de que seu tempo é finito, você se dá conta de que a responsabilidade sobre a sua vida é totalmente sua. Não fique parado, mova-se. Não fique parado nesse lugar!

Muitas vezes, quando sofremos um impacto, ficamos parados no mesmo lugar, com dificuldade de agir. Ao tomar consciência, não fique parado, aja. Tome responsabilidade sobre isso.

Perceba que é você que cria sua vida. E acredite que você traz dentro de si, em sua alma ou sua essência, o potencial para viver essa aventura heroica, para a qual você foi convidado e aceitou.

Muitas vezes, temos dificuldade de tomar consciência dessas coisas porque estamos numa “hipnose do cotidiano”, como define Celis. Quando estamos todo dia atordoados, correndo, afobados, inquietos com tantas coisas, ficamos hipnotizados.

Nessa hipnose do cotidiano, não nos damos conta de coisas importantes em nós e nossa vida. Se tomamos consciência dessas coisas, se saímos do funcionamento automático que é essa hipnose, passamos a perceber tudo de forma diferente e podemos ter uma inspiração sobre o que fazer com a nossa vida.

Às vezes, escolhemos bem. Outras, mal. Não acertamos sempre, mas se cada vez nos tornarmos mais conscientes, escolheremos cada vez melhor.

Vamos aperfeiçoando as escolhas. Uma má escolha pode ser útil se tomarmos consciência dela. Útil como aprendizado para a próxima escolha.

No processo de viver, vamos crescendo através do treinamento das escolhas. Crescer dói. Mas cada situação pode ser útil quando aproveitada com consciência.

Qualquer treino exige esforço, exige desacomodar e resulta em alguma dor. Mas nenhuma dor vem para ficar. E ela pode doer mais ou menos e durar mais ou menos tempo. Dura mais quando nos vitimizamos.

São muitas as formas de manter a dor. Declaramos que isso não deveria estar acontecendo, resistimos e prolongamos nossa dor. E existem formas de abreviá-la, de não fixá-la. Dores também fluem.

Os dias se sucedem. Depois de um dia, vem a noite. E assim também deve ser o que acontece em nosso interior. Não podemos ficar surfando a mesma onda. Se não surfou bem essa, vá na próxima. Se surfou bem essa, a próxima não é garantia. É preciso fluir.

A jornada do herói deixa cicatrizes. Todo herói tem cicatrizes. Não se diz a um guerreiro: “Não lute porque você vai se machucar.” Nessa jornada, tudo pode acontecer. Vencemos e perdemos, isso é garantido. Também é garantido que se seguirmos em frente nos tornaremos cada vez mais despertos e amadurecidos.

Acorde e cresça. Esse tempo precioso de vida é finito. Costumamos olhar a importância da vida de outros. Olhe a importância de sua vida. Como você está sendo. Dependendo disso, coisas acontecem ou não. A nossa maneira de ser define muita coisa em nossa vida.

Ser e fazer devem caminhar juntos, como afirma Celis. Seja aquele que vai adiante e cresce, dentro do tempo que é finito. Nosso lema é avançar.

Berenice Kuenerz, psicoterapeuta e coach de life-business e mindfulness

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