Os Jogos Paralímpicos, talvez mais que os Olímpicos, estão sendo uma oportunidade de ouro para o Japão exercitar seu ambicionado movimento de transição para um novo modelo social. Calcada na tecnologia, mas também na valorização do elemento humano, a chamada Sociedade 5.0 – ou superinteligente – foi lançada em 2016, e de lá para cá busca integrar ambiente físico e ciberespaço.
Mais do que integrar os espaços físico e virtual, essa nova sociedade “envolve uma reconciliação entre crescimento econômico e resolução de problemas sociais, voltando os olhos para o ser humano e uma sociedade inclusiva”, como já disse o diretor de planejamento do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação do governo japonês, Shinozawa Yasuo. Para atletas com deficiência física, pode representar um salto de qualidade de vida.
Os recursos disponibilizados aos paratletas nunca foram tantos, espelhando o que o há de mais avançado em tecnologia para deficientes físicos. Os avanços passam não só por facilidades em transportes e acesso. mas também por próteses e cadeiras de rodas de última geração utilizadas por esportistas.
Ainda que boa parte desses equipamentos não seja de fabricação japonesa, está certamente servindo de referência para a indústria tecnológica do país, atenta ao desempenho e às necessidades de deficientes físicos. Uma das empresas campeãs no setor é a Össur, fundada há cinquenta anos por um islandês que tivera a perna amputada.
OFICINA PARA CONSERTO DE EQUIPAMENTOS DE ALTA TECNOLOGIA
Hoje com uma série de marcas e representações no mundo, inclusive no Brasil, a Össur fabrica próteses compostas de finas camadas de fibra de carbono comprimidas que garantem pés firmes e flexíveis a velocistas, ciclistas e atletas de salto em distância. Nesta e em outras empresas, os avanços exigem criatividade para o desenvolvimento de novos materiais e dispositivos capazes de melhorar a vida e o desempenho dos atletas.
Na indústria japonesa, o forte é considerado a robótica, presente no evento principalmente para permitir experiências de interatividade e acessibilidade. A Toyota marca presença nesse mundo onde androides podem recolher dados e discos lançados por atletas, bem como ajudá-los em compras e tarefas domésticas.
As Paralimpíadas levaram Tóquio a abrir uma sofisticada oficina para reparos de equipamentos de alta tecnologia. O objetivo é atender paratletas e mantê-los competindo. Mais de cem especialistas de diferentes partes do mundo estão à disposição dos esportistas para concertos diversos, disponibilizando 17.300 peças e serviços técnicos em 26 idiomas.
Por trás da mobilização paralímpica está a idealizada Sociedade 5.0 e sua intenção de promover o multiculturalismo, conceito que abrange o uso de tecnologias para melhorar a qualidade de vida.
FOCO EM IDOSOS DIANTE DO ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO
Em recente entrevista ao Mercado e Consumo, a consultora de estratégia global Yoko Ishikura explicou que o novo modelo social japonês visa a “estabelecer o capitalismo sustentável por meio da cocriação de diversos valores pela transformação digital”. O objetivo, disse ela, “é atingir uma ‘sociedade superinteligente’, na qual a tecnologia digital pode ser aplicada para tornar a vida das pessoas feliz e confortável, independentemente da idade, sexo, origem, onde vivem etc.”
Na Sociedade 5.0, inteligência artificial, Big Data, Internet das Coisas e outras tecnologias são usadas para criar soluções capazes de suprir necessidades humanas. No Japão, vestes robóticas articuladas já permitem a um idoso carregar as compras com menos esforço físico. E as compras também podem ser entregues em casa por drones. Os idosos são um foco importante nessa sociedade, em face do envelhecimento da população japonesa.
Na prática, não é nada simples conciliar os avanços tecnológicos com os três grandes valores preconizados pelo novo modelo social: qualidade de vida, inclusão e sustentabilidade. O desafio é disseminar esses avanços, por enquanto socialmente restritos. Mas eles estão aí sendo apresentados ao mundo, e os objetivos são nobres. Para o presidente do Comitê Paralímpico Internacional, Andrew Parsons, esses jogos “são uma oportunidade única de mudar o Japão para sempre”.
Bruno Casotti, jornalista e tradutor.