Para além do sentido de celebração do nascimento de Jesus Cristo, mas em essência também por isso, o espírito de Natal tem sido historicamente definido como o espírito da bondade. O fim do ano é aquela época propícia a atitudes de benevolência e boa vontade. E não há dúvida de que a crise da pandemia tem motivado iniciativas individuais e coletivas de atender a necessitados – mais do que em tempos menos conflituosos e mais abundantes.
A bondade e suas origens têm sido objeto de curiosidade científica. Mas, apesar de ter evoluído tanto, a ciência ainda tem dificuldade de explicar o que há por trás desse sentimento que nos leva a praticar 0 bem. Sabe-se, pelo menos, que boas ações nos dão bem-estar e satisfação, e nos fazem entender que somos mais felizes quando os outros estão felizes. Por isso, fazem bem à saúde.
Quando começou a pesquisar a bondade, o psicólogo comportamental Robin Benarjee, da Universidade de Sussex, na Inglaterra, encontrou 35 estudos sobre o tema publicados em periódicos de psicologia na década de 80. Na década passada, já eram mais de mil estudos do tipo. Isso não só mostra o crescente interesse da ciência em desvendar os mistérios acerca desse sentimento que nos torna mais humanos, como nos permite compreendê-lo um pouco mais.
ATOS DE BONDADE ATIVAM REGIÃO DE RECOMPENSA DO CÉREBRO
A psicóloga americana Elizabeth Dunn realizou uma experiência simples para testar a prática da bondade. Ela e sua equipe foram às ruas da cidade canadense de Vancouver com um objetivo específico: dar um envelope contendo US$ 5 ou US$ 20 a pessoas que passavam. Metade dos transeuntes abordados foi instruída a gastar o dinheiro com si mesmos. A outra metade foi orientada a presentear alguém ou doar a quantia a uma instituição de caridade.
As pessoas do primeiro grupo fizeram diferentes compras para si próprias – de café a brincos. Já as do segundo grupo compraram brinquedos para parentes, ou ainda alimentos, e também deram o dinheiro para mendigos na rua. Depois, os pesquisadores pediram aos participantes da experiência para avaliar como se sentiam. Quer tivessem gastado US$ 5 ou US$ 20, e o que quer tivessem comprado, isso não fez a menor diferença: aqueles que haviam gastado o dinheiro com outras pessoas se sentiam muito mais felizes do que os componentes do outro grupo.
A neurociência confirma esse efeito da bondade. Exames de imagens mostraram que a região do cérebro relacionada à recompensa brilha quando praticamos um ato de bondade. Em depoimento à BBC, o neurocientista Dan Campbell-Meiklejohn, da Universidade de Sussex, afirmou:
“A bondade pode ter um custo para nós, mas experimentamos uma sensação de recompensa em partes do nosso cérebro quando somos bons com os outros, assim como acontece quando comemos algo gostoso ou quando temos uma surpresa agradável. Essas partes do cérebro se tornam ativas e nos motivam a agir do mesmo modo repetidamente.”
EXPECTATIVAS MAIS POSITIVAS EM RELAÇÃO A SITUAÇÕES SOCIAIS
A neurociência mostra ainda que o cérebro tem respostas emocionais diferentes para notícias sobre pessoas em dificuldade, dependendo de onde elas estão. Uma única pessoa no lugar onde você mora é capaz de sensibilizá-lo mais do que muitas que moram longe, disse Campbell-Meiklejohn. Por isso, acrescentou ele, “algumas instituições de caridade têm o enorme desafio de superar nossas respostas emocionais e obter apoio às pessoas que mais necessitam”.
Outras constatações da ciência são de que a bondade é contagiosa e reduz a ansiedade. Numa experiência científica no Canadá, estudantes que relatavam ansiedade social foram solicitados a realizar atos de bondade durante semanas, o que incluiu lavar as roupas de um colega ou fazer uma doação a uma instituição de caridade. O sentimento de ansiedade deles diminuiu, em comparação a outro grupo de estudantes que não havia sido solicitado a fazer o mesmo.
Para a autora do estudo, Jennifer Trew, da Simon Fraser University, os atos de bondade ajudaram os estudantes a ter expectativas mais positivas em relação a situações sociais. Essa maior sensibilidade a questões sociais foi constada também numa meta-análise de 201 estudos relacionados a comportamento pró-social, realizada pelo psicólogo Bryant Hui, professor da Universidade de Hong Kong.
Ele afirmou: “O comportamento pró-social – altruísmo, cooperação, confiança e compaixão – tudo isso são ingredientes necessários a uma sociedade harmoniosa e que funciona bem. Isso faz parte da cultura da humanidade compartilhada, e nossa análise mostra que também contribui para a saúde mental e física.”
Fonte: Artigo de Claudia Hammond para a BBC.