“Ao lado da saúde financeira e da saúde mental, o maior valor daqui para a frente deverá ser o bem-estar digital, ou seja, é preciso mudar a relação que temos com as tecnologias disponíveis.” A afirmação é do Dr. Arthur Guerra, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e da Faculdade de Medicina do ABC.
Em artigo para a Forbes, Guerra observa também como é paradoxal constatar que a tecnologia “que mudou o mundo e as nossas vidas para melhor tem nos deixado doentes”. Ele está falando do tempo que passamos online – e que com a pandemia só fez aumentar.
Recentemente divulgada, uma pesquisa da empresa de monitoramento de aplicativos App Annie, constatou que as pessoas no mundo estão passando, em média, 4,8 horas por dia no celular – 30% a mais do que em 2019. No Brasil, na Indonésia e na Coreia do Sul, essa média é superior a cinco horas, diz o estudo.
Em 2020, uma pesquisa chegou a resultados semelhantes ao da App Annie, mas incluía o tempo diante da TV, o que leva a uma especulação: o que só faz aumentar é, principalmente, o uso do celular. A mesma pesquisa da App Annie mostrou que no ano passado aplicativos foram baixados 230 bilhões de vezes. O campeão foi o TikTok, no qual os usuários passaram 90% mais tempo do que no ano anterior.
CONTROLE SOBRE O USO DO MUNDO DIGITAL
O CEO da App Annie, Theodore Krantz, disse à BBC: “A tela grande está morrendo aos poucos enquanto o celular continua a bater recordes em praticamente cada categoria – tempo gasto, downloads e renda.” A empresa previu que no segundo semestre deste ano, o TikTok terá mais de 1,5 bilhão de usuários ativos por mês.
Em seu artigo, Guerra analisa: “Ano após ano, crescem as evidências de que quanto mais conectados estamos, maiores as chances de sentir fadiga, ansiedade, estresse. Quanto mais tempo gastamos olhando o feed de outras pessoas que, via de regra, têm uma vida sem defeitos e cor de rosa, maior a probabilidade de ter baixa autoestima, depressão, solidão e outros problemas de saúde mental.”
Ele recomenda: “Temos de ter controle sobre a nossa presença e uso que fazemos do mundo digital e não o contrário, nos deixando escravizar pelas possibilidades que ele oferece.” A palavra-chave, afirma, é moderação. “Não é fácil, eu confesso. Mas é um exercício diário e necessário. Existem até aplicativos que podem ajudá-lo nisso, controlando o tempo que você gasta em cada app.”
Guerra sugere uma atitude simples: desligar o celular na presença de amigos e sugerir que eles façam o mesmo. “Você vai se surpreender de como é prazeroso bater papo e rir sem precisar ver memes”, afirma.
“É possível ter presença digital com qualidade de vida”, conclui o médico. “O desafio é grande, porque a internet é um palco que nos seduz o tempo todo para substituir os mecanismos de recompensa offline pelos online (likes, views, seguidores).”
MONITORAR O TEMPO DE USO DO CELULAR
Para a psicoterapeuta Hilda Burke, autora de The Phone Addiction Workbook (O guia do vício do telefone), há uma forte ligação entre o uso acentuado do celular e questões como relacionamento, qualidade do sono, capacidade de relaxar e nível de concentração.
“As pessoas se sentem incapazes de estabelecer limites, como resultado se sentem obrigadas a verificar seus e-mails e mensagens como a última coisa que fazem à noite e a primeira que fazem de manhã”, afirmou ela à BBC.
Para evitar o uso excessivo do celular, Burke recomenda monitorar o tempo que passamos ao aparelho. “Começar a perceber exatamente quanto tempo você está desperdiçando a cada dia em seu telefone pode ser um alerta poderoso e um catalisador para uma mudança”, diz.
Outra sugestão dela é estabelecer períodos curtos para manter o celular desligado ou deixado em casa e, aos poucos, aumentar esses períodos. E uma terceira estratégia seria escolher para a tela do celular uma imagem ou palavra que represente o que você preferiria estar fazendo se tivesse tempo.
A psicoterapeuta explicou o sentido disso: “Considerando que a maioria de nós verifica o celular 55 vezes por dia, e alguns de nós até mesmo cem vezes, isso é uma grande lembrança visual de uma forma mais valiosa de usar seu precioso tempo.”