Pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos descobriram que uma proteína sintética tem a capacidade de restaurar a memória perdida em pacientes da doença de Alzheimer. Trata-se do ISRIB (sigla para Integrated Stress Response Inhibitor), desenvolvido em 2013 pelo bioquímico alemão Peter Walter, da Universidade da Califórnia. A constatação deles é de que o ISRIB estimula neurônios a produzir proteínas essenciais para formar e consolidar a memória.
“A proteína não atua sobre a causa do mal de Alzheimer, mas sobre as consequências. É como se o Alzheimer fosse uma pedra que bloqueia uma estrada. A droga não tira a pedra, mas abre um desvio seguro”, explicou ao Globo Sergio Ferreira, professor dos institutos de Biofísica e Bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da equipe responsável pela descoberta.
Os cientistas chegaram aos resultados com base em testes realizados em camundongos, que consideraram animadores. “É o primeiro estudo a mostrar que é possível estimular a produção de proteínas em cérebros afetados pelo mal de Alzheimer e, com isso, recuperar a memória”, disse Ferreira. A pesquisa foi publicada na revista científica Science Signaling.
O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que atinge cerca de 35 milhões de pessoas no mundo e não dispõe de tratamento eficiente. Sua causa ainda não está bem esclarecida. O medicamento mais recente para combatê-lo é de 2003. Sua ação retarda a perda de memória dos pacientes, em geral por no máximo um ano. Para os pesquisadores, a proteína sintética permitirá uma nova abordagem para o tratamento. “Estamos otimistas”, disse Ferreira.
EM COBAIAS, RESTAURAÇÃO COMPLETA DA MEMÓRIA
Na perda de memória dos pacientes de Alzheimer, os neurônios param de produzir proteínas por causa de algum estresse, como falta de nutrientes, uma infecção ou o uso de alguma substância tóxica. Trata-se de uma reação de defesa do organismo que poderia ser transitória e benéfica. No Alzheimer, porém, os neurônios interrompem permanentemente a produção das proteínas necessárias à manutenção da memória.
Na pesquisa, camundongos que receberam ISRIB foram submetidos a testes de memória, como orientar-se dentro de um labirinto. A substância restaurou suas funções cognitivas e a produção de proteínas no hipocampo, região do cérebro relacionada à memória episódica, ou seja, à lembrança de acontecimentos e experiências.
“De um modo geral, vimos uma restauração completa”, afirmou à DW Maurício Martins Oliveira, pesquisador da Universidade de Nova York e principal autor do estudo. “Um parâmetro ou outro pode não ter se restaurado, mas no todo podemos dizer que houve um resgate muito significativo da formação de memória dos camundongos em ambos os modelos que testamos.”
Os pesquisadores irão ampliar os testes, bem como buscar o reposicionamento de medicamentos disponíveis no mercado que atuem de forma semelhante ao ISRIB. Pretendem também dispensar processos de aprovação de remédios para iniciar o uso da substância em humanos.
Estima-se que 40% das pessoas com mais de 85 anos sofrem de demência, e que 70% desses casos sejam decorrentes de Alzheimer. No Brasil, o Ministério da Saúde indica que a doença afeta 30% da população com mais de 85 anos, ou 1,2 milhão de pessoas. Em 2050, esse número subiria para 4 a 5 milhões de brasileiros. No mundo, chegaria a 152 milhões.