Cheguei da caminhada de 220 quilômetros me sentindo feliz e realizado por ter superado o desafio. Poucos dias depois, comecei a sentir alguns sintomas estranhos. Em pouco tempo o exame denunciou: era Covid-19. Tenho a convicção, apesar de não conseguir provar, que não fui infectado pelo coronavírus ao longo do caminho que fiz em Santa Catarina, mas provavelmente em algum aeroporto ou no Uber, quando cheguei ao Rio de Janeiro. Mas isso não importa, passei o mês de dezembro convivendo com a doença… e foi um perrengue.
Engana-se quem imagina que o título desse post diz respeito ao meu renascimento por eu ter passado pela Covid-19. O renascer diz respeito a algo muito mais amplo e impactante na minha vida: meu renascimento como ser humano integral, que aconteceu este ano. E sinto que ainda estou no início de meu processo de renascimento.
Na minha cabeça, o ano de 2020 não foi um único ano. Me parece impossível que tudo que vivi caiba em um único ano. Não cabe! Foram vários anos em um só. Foram tantas coisas, e tudo tão intenso, que é difícil descrever, até porque estou falando de sentimentos, percepções e sentidos.
Após a partida da minha amada Regina, em fevereiro, coloquei na minha cabeça que 2020 seria um ano sabático. Eu havia pedido demissão para cuidar dela em seus últimos momentos de vida. A ausência do trabalho me deu tempo e oportunidade para fazer um sabático de verdade.
Ao longo dos primeiros meses, na curva ascendente do luto, pensei: por que não fazer da minha vida um eterno período sabático? Gostei da ideia e pensei em como pô-la em prática. Para isso eu precisava de algumas coisas em que nunca havia pensado.
Ao longo da minha vida, fui um ser humano servidor, em múltiplas dimensões. Vivi o tempo todo ouvindo, cuidando e servindo os outros. Foi assim no lado pessoal e no trabalho. Ao me deparar com a realidade da solidão do luto, percebi que precisava pensar mais em mim, gostar de mim e me ajudar. Eu precisava me descobrir, me conhecer, porque a sensação é que eu era um desconhecido para mim mesmo. Atravessar o luto e sair do outro lado era uma coisa que só dependia de minha iniciativa e determinação. Portanto, ou eu me ajudava ou me afundava.
Outra necessidade era descobrir as possibilidades de uma nova vida, com novas atividades, novos interesses e novos relacionamentos. Era preciso sair do casulo, esquecer radicalmente o que sei fazer bem, para ocupar minha cabeça com coisas completamente novas. Para isso era preciso abandonar um pouco os meus queridos amigos antigos, que já conheço bem, para buscar novas amizades e novos relacionamentos, com novas ideias, novas histórias, novas experiências e novas aspirações. Radicalizei e passei a consumir somente conteúdo e assuntos inexplorados e desconhecidos para mim.
Iniciei uma busca inegociável de derrubar preconceitos e ideias fixas que existiam na minha cabeça. Me abrir para o mundo exigia uma nova forma de enxergar as coisas e as pessoas. Passei a apreciar mais o que me gera desconforto e insegurança, mesmo roendo as unhas e ficando nervoso, porque no final me desenvolvo e me fortaleço. Não foi e ainda não está sendo fácil. Todos temos vieses e experiências passadas que muitas vezes se transformam em armadilhas e gatilhos para comportamentos que desejamos mudar. Mas estou consciente disso e mudando para valer minha visão de mundo.
Esses são exemplos de pilares que coloquei na minha frente para serem perseguidos durante 2020, mesmo durante a pandemia. Fiz muito mais, mas a essência descrevi acima. Tudo começou como um exercício de autoconhecimento e propósito de vida, com reflexões sobre o que fazer com a nova vida diante de mim. As reflexões me conscientizaram de que eu precisava me transformar, e para isso precisava ter clareza da direção que precisava seguir, tomar atitudes e perseverar. O que começou como desejo e aspiração virou uma obsessão na minha cabeça. A partir de julho, na minha viagem solitária de aniversário, quando completei 60 anos de idade, a obsessão deixou a cabeça e virou prática de verdade. Foi ali, na solidão do topo do Monte Imperial em Vassouras, com céu fechado e cinzento, exatamente no dia do meu aniversário, que deu o clique na minha cabeça.
Esse meu período sabático é um combinado. É uma mistura de luto, transformação e renascimento. A Covid-19 que peguei em dezembro criou obstáculos para meus planos de final do ano. Não fiz o Caminho da Estrada Real de 120 quilômetros que tinha planejado. Também não fiz a viagem de jipe cruzando o Brasil em dezembro. Porém, fiz essa inesquecível viagem agora na primeira quinzena de janeiro. Foram quase 3 mil quilômetros até o lindo Centro-Oeste do Brasil.
Acabou o meu luto!! Eu já tinha afirmado isso em um post que publiquei em 24 de novembro. Até prometi não falar mais de luto, mas preciso falar a última vez. Sinto dentro de mim que o luto acabou totalmente, de verdade, sem pontas ou arestas a serem aparadas. O luto é definitivamente passado.
O luto foi uma fase que vivi intensamente ao longo de 2020, me permitindo viver todos os sentimentos, a dor da perda, a sensação de estar perdido, de devastação, terra arrasada e não ter mais propósito de vida. Vivi de forma integral todas as dores do luto, preenchendo todos os espaços, sem freios e rodeios, sem melindres e tapinha nas costas, com equilíbrio e serenidade, e por isso me sinto leve, em paz e de bem com a vida.
Hoje escrevi a última carta para a Regina. Foram quase setecentas páginas de cartas escritas de próprio punho, ao longo do luto. A produção de cartas foi proporcional ao que explodia dentro de mim, ou seja, nos dias mais violentos do luto cheguei a escrever várias cartas no mesmo dia. Tudo foi intenso, carregado de paixão e sofrimento, mas também com momentos de agradecimento e plenitude.
São quatro cadernos amarelos, que nunca ninguém leu ou lerá. Nos últimos meses, passei a escrever cada vez menos para Regina, em um processo sereno e evolutivo de desapego, de entendimento da vida e de aceitação. Obviamente que ainda penso nela, mas sem qualquer sinal de dependência ou lamentação. Meu pensamento é de um passado longínquo, um passado maravilhoso, de admiração e gratidão. Mas que é passado.
A última carta foi escrita no caderno amarelo número 4. Foi uma carta de agradecimento, de declaração de amor eterno, porém de despedida. Após escrever, juntei os quatro cadernos e passei uma fita neles. Guardei em uma caixa. Se depender de mim, nunca mais vou abrir esses cadernos, mas estarão sempre comigo, porque descrevem de forma visceral minha jornada de luto. É um conteúdo extraforte, que relata os altos e baixos de um ser humano que viveu uma experiência única, uma espécie de montanha-russa, evidenciando a minha transformação e renascimento. Como toda montanha-russa, a jornada chegou ao fim, o carrinho parou e eu desembarquei.
A vida é tão extraordinária que algo que parecia impossível aconteceu: estou namorando. Nos últimos dois meses, alguém entrou na minha vida e abriu uma porta que estava fechada dentro de mim. Ela sorriu para mim. Eu sorri de volta. Ela atravessou a minha porta e eu fechei, desejando que ela nunca mais saia da minha vida. Estou vivendo sentimentos de adolescente e a sensação de início de vida nova. A verdade é que sinto muito mais do que isso. Sinto amor! Estou apaixonado! Acho incrível e maravilhoso falar isso, mas é a pura verdade: estou apaixonado!
A cada dia que passa, surgem evidências de que estou diante da fase mais encantadora da minha existência. Estou mais experiente, mais maduro, mais generoso, menos ansioso, extremamente feliz com a vida e consciente do que desejo. Sou um ser humano melhor, integral e mais espiritualizado. Tudo isso junto me sinaliza que estou diante de um mundo de luz na minha frente, que não abro mão de viver plenamente, sem medos ou hesitações.
Tudo que vivi com a Regina me tornou o ser que sou hoje. Escrevi tanto sobre isso nos posts que publiquei ao longo de 2020, que me sinto até repetitivo. Porém, agora, minha sensação é que fechei um capítulo da minha existência com o término do luto. E agora tem início um novo lindo capítulo de vida. Estou entusiasmado com meu momento, encantado com esse novo amor que entra na minha vida dividindo um sonho comigo, de vivermos juntos uma vida maravilhosa, de admiração e cumplicidade. Quero viver esse novo amor intensamente e fazer dele a razão da minha nova vida.
O que tenho aprendido ao longo da minha jornada de transformação e renascimento é que a vida é realmente maravilhosa. Basta você se gostar, se ajudar, ser mais permeável e poroso, estar aberto para o mundo, reconhecer e enfrentar seus preconceitos, aceitar viver o desconforto e a insegurança, conhecer pessoas diferentes, aprender sobre coisas que não entende ou pelas quais nunca teve interesse, olhar e apreciar de verdade as pequenas coisas boas da vida, como o sol na cara em um belo dia de céu azul.
De tudo que tenho vivido, o que me fez renascer como ser humano foi plantar e semear relações humanas saudáveis, foi não me afastar das pessoas e sim me aproximar, especialmente das pessoas que trazem luz, renovação, paz e esperança para o meu coração. Que seja assim, sempre!
Mauro Segura, engenheiro e analista de sistemas, com pós-graduação em marketing e experiência profissional em tecnologia e comunicação. Mauro tem seu próprio blog e colabora com Meio&Mensagem e Café Brasil, entre outros.