Depois de muito falar sobre o amor, que tal discorrer sobre sua prima mais famosa, a paixão?
Digo prima, pois paixão e amor nem sempre são irmãos. Têm um certo afastamento. Embora tenham crescido juntos, possivelmente se distanciaram – ou não – com o passar do tempo.
A paixão tem diferenças peculiares em relação ao amor. A paixão é visceral, o amor se equilibra melhor. A paixão é avassaladora, o amor é mais constante. A paixão pode trair, o amor é fiel. A paixão nos deixa cego. O amor é para quem vê.
A cegueira da paixão é um traço interessante. Necessita, à primeira vista, da visão. Apaixonar-se é ver no outro si próprio. É a questão do espelho, do reflexo. Apaixona-se não pelo que a pessoa é, mas pelo que aparenta ser. Qualidades. A paixão não vê defeitos. Diferentemente do amor.
O sujeito apaixonado idealiza, não conhece profundamente. Ele se vê entre aspas enfeitiçado, encantado com o ser que admira. Uma professora mais jovem, no ensino fundamental. O irmão da sua melhor amiga. A filha da vizinha. O galanteador da boate. A intelectual solitária. Idealizações. Amor à primeira vista? Esquece, isso não existe. Para se chegar ao amor, é preciso ultrapassar, romper a fronteira da paixão.
No apaixonar-se só se vê qualidades, as virtudes do outro. A beleza física, o corpo perfeito, a inteligência, a bondade, o dinheiro, o caráter, o poder, o que for. Você se inebria por um tempo indeterminado. Tempo este que, em geral, perdura inabalável até o alcançar da rotina.
Na rotina, sim, os defeitos se revelam. O ronco ensurdecedor, a falta de habilidade com os serviços da casa, o mau humor, a depressão, a fraqueza de espírito ou de caráter, a tampa da privada, as piadas sem graça ou fora de hora, a falta de higiene, a realidade. Durante a paixão, se esta é correspondida, dois cegos se tocam buscando se conhecer. Caso a relação permaneça forte após o convívio do dia a dia, aí sim a paixão floresce, podendo dar luz ao sonhado amor.
Pois não necessariamente quem se apaixona pelas qualidades vai amar os defeitos. A carência sentimental dá vazão à autossuficiência presencial, caso o ônus seja maior do que o bônus. A paixão tende a se esvair, desmembrar-se aos poucos, e com ela vão-se os desejos, o apetite sexual, os sonhos. Esta paixão que no passar dos dias, meses ou anos se foi, na verdade, não se foi. Escondeu-se. Trancou-se numa gaveta à espera de um novo momento. Que pode não mais vir. Mas que outrossim pode voltar. Seja através dos filhos que nascerão, dos bichos de estimação adotados, de um novo emprego, um amante mais interessante do que o marido ou simplesmente um novo sonho, uma meta a se alcançar. O sonho de voltar a tatear o desconhecido é a ânsia de tornar a se encontrar, se conectar consigo próprio.
A paixão pode ser unilateral, e neste caso dói muito. É aceitável denominá-la Amor, desde que acrescido do sobrenome Platônico. A paixão unilateral é vivida com intensidade ímpar. Nos leva ao fundo do poço. À fossa. A buscar os vinis antigos do Roberto Carlos, escrever poemas, emergir em depressão. Todavia, igualmente se perde no decorrer dos dias. Num piscar de olhos, ela se foi. Você se curou. Recuperou o rumo, refez o eixo, retomou a direção da própria vida.
Há mulheres que amam se apaixonar. Há homens que odeiam se apaixonar. Muitas reclamam que eles não querem relacionamentos sérios. Muitos reclamam que elas só querem relacionamentos sérios. É bem verdade que elas amadurecem mais cedo. Enquanto, desde a puberdade, eles se afirmam em jogos ou lutas – ou seja, competições –, elas se unem, ninam bonecas, discutem sobre… eles!
Inexorável que a maioria deles demore a atingir a maturidade. Medo da vida? Não. Medo do futuro. Encarar os passos seguintes: ter filhos, formar família, abrir contas conjuntas. Eles preferem a diversão, o que tem mais a ver com a paixão. Elas preferem o compromisso, o que tem tudo a ver com o amor.
Paixão é um carro descendo ladeira íngreme sem freio. Você encara a vertigem e cai de cabeça, sem saber que fim te espera. Em brasa, o coração pulsa mais forte, a ansiedade dobra de intensidade, o calor toma o corpo, o sono é interrompido, o trabalho afetado, até mesmo a família deixa de ter a atenção usual. Paixão tem P de Pulsar. Amor tem A de Acalmar. Paixão é soma, mas nem sempre o resultado é amor.
A mãe dá à luz. O filho busca a luz. E ao crescer ele não busca a mãe, a mãe ele tem, mas busca aquela relação pré-umbilical, o complementar. Não há alma gêmea; isso é clichê de apaixonado. No amor, o que há é cumplicidade, correspondência, compromisso. Como disse, complemento. O que te falta o outro dá. Na paixão, o que se chama de alma gêmea é a face de você poder se ver no outro. No fundo, você vibra por se refletir. Já no amor, você enfim se completa. Vibra pelo outro existir. Com seu jeitinho. Com seus defeitos. Por ele ser do jeito que é. Apaixonante ou não.