Devemos lutar contra a fragilidade? Se lutarmos contra ela, estaremos lutando contra uma parte nossa. Isso não costuma funcionar. Esconder a fragilidade, empurrá-la para dentro de alguma gaveta da mente e fechá-la ali, também não costuma funcionar.
Temos que entender a totalidade que somos. Só assim saberemos lidar com cada parte nossa. O que costuma funcionar é acolher, cuidar e entender.
O estado de fragilidade está nos dizendo algo. Estamos com medo? O obstáculo é maior do que nossos recursos no momento? Precisamos nos organizar melhor, nos recuperar, descansar?
Acolher e cuidar da fragilidade não significa se entregar a ela. Ela não é nossa única parte. Todas as partes têm que funcionar em uma dinâmica. E precisamos seguir adiante, porque a vida continua. Se estacionarmos muito tempo na fragilidade, aí sim, nós a adotamos como persona, como uma característica.
A fragilidade deve estar ali por um tempo, como uma condição temporária. Na verdade, temos que aprender a lidar com momentos de fragilidade, porque eles continuarão a acontecer, uma e outra vez.
Esse momento de pandemia faz aflorar nossas fragilidades. Nosso medo do futuro, medo da incerteza, da doença, da morte, da solidão. Esse é um acontecimento coletivo que deflagrou a fragilidade do coletivo.
Esses momentos não vão deixar de acontecer. O que pode acontecer, e é bom que aconteça, é ficarmos cada vez mais habilitados a lidar com esses momentos.
Pema Chödrön, autora do livro Fracasse, fracasse de novo, fracasse melhor, conta sobre a primeira entrevista com seu mestre Chögyam Trungpa Rinpoche. Ela descreve o momento que vivia: “…minha vida estava se desfazendo toda, e fui lá porque queria falar sobre o fato de estar me sentindo tão fracassada e tão ferida.” Quando estamos frágeis, nos sentimos em “estado de fracasso”.
O que ocorre nesse encontro é que, depois de um momento formal, em que o que Pema diz não é o que, de fato, ela quer dizer – porque muitas vezes quem fala são nossas defesas – Rinpoche dá a entrevista por encerrada.
É aí então que Pema lhe fala, com o coração, de seu estado de profunda fragilidade: “Minha vida acabou. Estou no fundo do poço. Não sei o que fazer. Por favor, me ajude.”
A resposta de Rinpoche é: “Bem, é muito parecido com caminhar dentro do mar: vem uma grande onda e a derruba, e você se vê deitado lá no fundo, com areia no nariz e na boca. Você está lá deitada e tem uma escolha. Você pode ficar lá ou pode se levantar e começar a caminhar adiante para sair do mar.”
Então você trata de se levantar, porque a opção “ficar lá deitada” significa morrer, ou simbolicamente desistir. Como Pema diz, “ficar deitado” é o que muitas vezes escolhemos fazer: nós nos refugiamos em nossa fragilidade e buscamos escapar da situação. Desistimos.
Rinpoche diz que as ondas continuarão a vir, porque ondas fazem parte da vida. Temos que cultivar nossa coragem e senso de humor para aprender a atravessar as ondas e seguir adiante.
O que quero colocar aqui é que cultivar a coragem inclui acolher amorosamente nossa fragilidade, e não a excluir. Mas acolher a fragilidade não significa permanecer deitado lá no fundo. Significa reconhecer, dar-se um tempo, se necessário, mas acionar também a coragem e o compromisso com o que você quer para sua vida.
A pergunta é: Você, de fato, quer permanecer deitado ou permanece deitado porque está com medo e não sabe o que fazer?
Rinpoche diz também: “Depois de um tempo, começará a parecer que as ondas ficam cada vez menores. E não vão mais derrubar você.” Deixaremos de nos sentir frágeis? Acredito que não, mas não nos assustaremos mais quando a fragilidade surgir.
Até onde sei, ninguém que percorreu um caminho significativo o atravessou sem que nunca tenha passado por um momento de fragilidade, dúvida, vontade de desistir, em que questionou o sentido do caminho a percorrer. Nesses momentos, tudo costuma parecer sem sentido.
Chamo isso de abalo do significado. Você se questiona o significado do que quer alcançar, como está levando a vida, o que é importante para você. Você se pergunta: Qual o significado disso? Ou: Qual o significado de minha vida nesse momento? E muitas vezes sentimos que o mais fácil é desistir, ou permanecer “deitado no fundo da areia”.
Uma palavra que tem muito significado nesses momentos de fragilidade, questionamento ou perda de significado é estratégia. Muitas vezes, a estratégia serve de apoio, direção, orientação, rumo, norte.
Quando Rinpoche diz a Pema “Você está lá deitada e tem uma escolha. Pode ficar lá ou pode se levantar e começar a caminhar adiante para sair do mar”, isso é uma indicação de direção, uma estratégia. Porque quando nos sentimos frágeis e nos identificamos com a fragilidade, não pensamos em como sair dela, ou que é possível sair dela. E ele está afirmando que é possível sair, que é preciso apenas levantar e caminhar.
Um passo após o outro. O passo pode ser mínimo. O que importa é se mover. Não estacionar nesse lugar sem significado. Um coach nos dá uma estratégia. E uma estratégia muitas vezes nos salva, porque nos dá direção, foco e um passo a passo.
Quando estamos frágeis, nos sentimos confusos, perdidos, sem rumo. Uma pequena orientação de rumo pode nos salvar. Rinpoche diz apenas: “Comece a caminhar.”
Não precisa dar passos largos. Você está frágil, respeite isso, acolha isso. Mas caminhar é possível, ainda que você esteja frágil. Pema afirma: “Seja gentil com você, vá devagar, não se apresse, mas fique de olho no objetivo.”
Você não terá que ficar forte para começar a caminhar, a se mover. Não precisa se forçar demais, mas se mover.
Uma pequena indicação pode salvar você de desistir e permanecer deitado. Muitas vezes, você está a três minutos ou a três centímetros de alcançar algo, mas está tão cansado, o esforço foi tão grande, que a tendência é desistir.
Pensamos: Não dá mais. Será que vale a pena mais esforço? É melhor desistir. Acontece um abalo de significado. Aquilo que íamos conseguir perde significado. Continuar perde o sentido.
Uso três estratégias que podem funcionar em momentos de fragilidade:
- Quando você se sente frágil, olha apenas para sua sensação de impotência, para o que não tem, para a falta, e se sente incapaz de prosseguir. Nesse momento, preste atenção na história que está contando para si mesmo. Contamos muitas histórias que nos derrubam. O que pode ajudar aqui é você avaliar o que já conseguiu na vida. Não precisam ser grandes feitos. Procure se lembrar do que já conseguiu, porque nesses momentos nos esquecemos dos obstáculos que já ultrapassamos. Nos esquecemos de nossos recursos e pensamos no que não temos, na falta. Tire o foco do que você não tem e traga-o para o que você tem, para o que você tem dentro de si de experiência, de habilidade, de característica pessoal que pode lhe ser útil nesse momento.
- Quando definimos desistir, parece que é essa a solução. Antes de desistir, pense em como você estará amanhã, semana que vem, daqui a um mês, se desistir nesse momento. Perguntas estratégicas: Como me sentirei amanhã, se desistir? Daqui uma semana, um mês? Qual será o impacto dessa desistência em mim mesmo e em minha vida? Momentos de fragilidade não são indicados para desistências. É válido desistir quando estamos mais fortes, quando revemos objetivos e estratégias e escolhemos desistir. Num momento de fragilidade, desistir não é uma escolha. Quem está desistindo é a fragilidade, e não sua capacidade consciente de escolha. Desistência é diferente de parada estratégica, ou retirada estratégica, que é uma ação inteligente. Na retirada estratégica, mantemos o olho no objetivo e no significado.
- Quando nos sentimos frágeis emocionalmente, costumamos nos sentir também frágeis fisicamente. Corpo, mente e emoções estão interligados em suas bases. Se estiver difícil interferir na mente e na emoção, procure interferir no corpo. Criando a sensação do corpo com energia, com força. Interfira na respiração, trabalhe a força muscular, a resistência aeróbica. O corpo pode servir de apoio em horas de fragilidade mental e emocional.
Momentos de fragilidade podem ser momentos para parar, reorganizar-se, dar um tempo e analisar como prosseguir. Como diz Pema, “Sempre há um potencial de crescimento no que quer que esteja acontecendo”. O que pode haver de crescimento nesse momento? O que posso aprender e alongar limite nesse momento? Acolha sua fragilidade. Acolha sua totalidade.
Berenice Kuenerz, psicoterapeuta e coach de life-business e mindfulness.