Em plena pandemia, Amsterdã está se tornando a primeira cidade no mundo a adotar um arrojado modelo econômico, a Economia Donut. A capital holandesa pretende mostrar ao mundo que é possível, sim, prosperar numa sociedade mais justa, em harmonia com o planeta. A implantação do modelo é liderada por sua principal defensora, a economista inglesa Kate Rayworth, autora do livro Economia donut – uma alternativa ao crescimento a qualquer custo (Zahar).
“É hora de pôr em marcha a economia do século 21, que vai marcar o futuro dos próximos anos”, comemorou o espanhol Javier Peña, fundador do site Hope, num vídeo ali divulgado que disseca o projeto.
O nome do modelo é uma referência ao seu formato gráfico, com dois círculos concêntricos que lembram um donut – a rosquinha doce popular nos Estados Unidos. Por aqui, tem sido chamado também de Modelo Rosca.
O Modelo Donut se apoia num conceito incomum na economia: o de que existem limites para o crescimento econômico, tais como as mudanças climáticas e a contaminação ambiental. A esfera exterior do círculo representa limites que não podem ser ultrapassados sem que sejam destruídas as condições para um crescimento sustentável. Já o círculo menor contém as necessidades básicas, como comida, água, saúde, energia, educação, igualdade e representatividade política. Entre os dois círculos, uma franja de conforto representa o bem-estar, que permite a coexistência de sociedades humanas e a preservação da natureza.
O BEM-ESTAR COMO OBJETIVO PRIMORDIAL
Um dos aspectos do modelo é a redefinição do conceito de prosperidade. “O objetivo deixa de ser o crescimento econômico infinito, pois crescer de forma infinita num planeta finito leva mais ao suicídio do que à prosperidade”, observa o pesquisador Fernando Valladares, do Conselho Superior de Investigações Científicas, em Madri, em participação no vídeo do Hope. O objetivo primordial do modelo seria o bem-estar, alcançado quando toda a população chega a uma zona de conforto, com suas necessidades básicas atendidas.
Valladares analisa: “O famoso mercado, que se autorregula, nos levou a um lugar de aquecimento climático sem precedentes, a verter 8 milhões de toneladas de plástico no mar por ano, capazes de cobrir 34 vezes a ilha de Manhathan. Ou ainda a chegarmos a 2050 com mais toneladas de plástico do que espécies animais. Se continuamos a caminhar para o consumo ilimitado, caminhamos também para autodestruição.”
Para evitar esse rumo suicida, Amsterdã elabora sua pegada ambiental, que implica estabelecer objetivos ambiciosos para a sociedade se manter na tal zona de conforto. “Isso significa que os setores mais contaminantes têm que se transformar completamente ou desaparecer, e essa lacuna será ocupada pelos setores mais limpos”, explica Valladares. “Tudo isso representa uma autêntica revolução, protagonizada pelas energias renováveis, a renaturalização e proteção de vastas regiões dos países, o hidrogênio verde como combustível alternativo, a eficiência energética, economia circular e a agricultura regenerativa. É preciso transformar as cidades, onde já vivem quase 60% da humanidade.”
Para isso, a capital holandesa busca a integração de várias ideias que permitam condições mínimas para uma vida saudável e digna. “Tudo isso nos faz lembrar os direitos humanos, agora diretamente incorporados a um modelo econômico e a uma declaração universal”, diz o pesquisador. O primeiro passo foi dado.