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Cargos elevados em empresas são desafio a negros

Em sua anual análise sobre a composição das diretorias de empresas americanas, divulgada no mês passado, a empresa Spencer Stuart constatou que 33% dos novos diretores nomeados são negros, o triplo dos 11% verificados no ano anterior. A mudança foi atribuída ao impacto do movimento Black Lives Matter sobre o empresariado do país, que prometera aumentar a diversidade em seus quadros.

Divulgada no ano passado, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que, nas empresas brasileiras, menos de 30% dos cargos de liderança são ocupados por negros e que esse percentual caiu de 29,9%, em 2018, para 29,5%, em 2019. Cabe assinalar que, embora os índices brasileiro e americano sejam próximos, aqui os negros representam mais de 50% da população, enquanto nos EUA são pouco mais de 13%.

Sobre o crescimento da participação negra nas empresas americanas, Julie Daum, da Spencer Stuart, comentou à Forbes: “É um número incrível”. Ela observou que o índice não foi tão alto para asiáticos e latino-americanos, que representavam 7% dos novos diretores. “O verdadeiro foco esteve nos diretores negros. Isso é um reflexo do está acontecendo na sociedade”, afirmou.

Os dados sobre o crescimento da liderança empresarial negra nos Estados Unidos suscitam um questionamento sobre a necessidade de impulsionar aqui a participação negra na liderança de empresas – o que vai além do afroempreendedorismo, em que os negros comandam suas próprias empresas.

 

REDUÇÃO PROGRESSIVA À MEDIDA QUE A PIRÂMIDE HIERÁRQUICA SOBE

Para Ivan Accioly, editor da plataforma Negrxs50+, as diferentes formações históricas de Brasil e EUA impossibilitam comparações entre os movimentos negros nos dois países. “Aqui os negros são mais variados e há diferentes iniciativas, não há um movimento único”, avalia ele, prevendo um longo caminho a percorrer para que as empresas brasileiras venham a contar com uma proporção maior de negros em cargos elevados.

Embora reconheça a importância de recentes iniciativas isoladas de empresas brasileiras para aumentar a presença de negros em funções de liderança, Accioly lamenta que muitos empresários ainda se gabem de uma presença significativa de negros em seus quadros quando quase todos estes ocupam posições baixas. “É preciso um trabalho muito grande em recursos humanos, critérios mais claros e objetivos, para mudar essa realidade”, diz ele.

Um levantamento do site de recrutamento para empregos Vagas.com mostrou justamente que, nas empresas brasileiras, a proporção de negros diminui progressivamente à medida que a pirâmide hierárquica sobe. Em funções operacionais e técnicas, eles têm presença maciça (47.6%), mas a participação é pequena em cargos de média e alta gestão – os diretores são 0,7%.

“A impressão que fica é que essas pessoas entram, mas empacam nessas posições que deveriam ser de início e não conseguem evoluir”, afirmou ao Correio Brasiliense Renan Batistela, especialista em treinamento do Vagas.com.

Cotas e ações de inclusão seriam uma saída, mas, afirmou Batistela, “esse tipo de ação só terá sentido em empresas que já estejam mais avançadas em diversidade. Como você vai estabelecer metas de liderança se não houver negros na base?”

 

NECESSIDADE DE AÇÕES AFIRMATIVAS PARA MERCADO DE TRABALHO

A pesquisa do IBGE constatou que mulheres brancas ocupam 66.9% dos cargos gerenciais e mulheres negras, 31%. Entre os homens, os índices são de 69,3% para brancos e 28,6% para negros. Já uma pesquisa do instituto Ethos indicou que os negros ocupam 4,7% dos cargos de liderança no Brasil e que, neste percentual, as mulheres representam 0,4%.

Na ocasião da divulgação da pesquisa do IBGE, Aline Nascimento, analista de treinamentos e ações afirmativas do Instituto Identidades do Brasil, afirmou ao Correio Brasiliense: “Quando falamos de racismo estrutural, estamos falando de um sistema de hierarquização de grupos que coloca a população branca no topo do poder.”

Nascimento alertou para a necessidade de ações afirmativas para o mercado de trabalho em todos os níveis: “É necessário pensar a proporcionalidade em todos os níveis hierárquicos. Enquanto não tivermos profissionais negros em cargos de liderança, não conseguiremos fazer com que essas ações ganhem, de fato, uma proporção de longevidade.”

Dona da Nômade, empresa de consultoria em alimentação e hospitalidade, Danni Camilo já ocupou cargo de chefia numa multinacional, mas se reconhece como uma exceção num país onde mulheres negras têm poucas chances de crescer.  “Cabe aos brancos a responsabilidade de abrir oportunidades para os negros”, diz ela. “São eles que precisam fazer esse movimento de reparação.”

A empresária reprova o argumento de que a competência determina quem sobe numa empresa: “Meritocracia só existe quando as oportunidades são iguais.”

 

 

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