Será que dedicamos tempo suficiente para entender, analisar e melhorar nossos relacionamentos? Será que entendemos a relação entre nosso desenvolvimento e o processo de nos relacionarmos? Será que entendemos que a relação com o outro é fundamental para o nosso crescimento?
Somos seres sociais. Nós nos desenvolvemos e evoluímos por meio dos relacionamentos. Através deles, trocamos e intercambiamos. Através deles, criamos culturas de família, de casal, profissional e em todos os espaços de convivência.
Certa vez, eu estava na Índia, numa fila, à espera de falar com um guru. A pessoa à minha frente perguntou ao guru: Quem evolui mais? Um monge que mora nas montanhas e medita todos os dias ou pessoas que vivem em casal ou em uma comunidade familiar? A resposta do mestre foi: O monge evolui menos.
Os relacionamentos produzem uma fricção que traz à tona aspectos que precisam ser trabalhados. Através dessa fricção podemos ir nos desenvolvendo ou nos desentendendo.
Nesse momento de pandemia, reclusão e convivência forçada, o nível de fricção aumentou. As relações estão sendo testadas, assim como a nossa relação com o estresse e habilidade para nos relacionarmos. Algumas relações se rompem, outras se fortalecem, encontrando uma nova forma de convivência.
Temos três tipos de relacionamento básicos: o relacionamento consigo mesmo, o relacionamento com os outros e o relacionamento com as circunstâncias. Eles estão interconectados e influenciam um ao outro.
As emoções e os relacionamentos estão interconectados porque, dependendo do nosso estado emocional, nos relacionamos de uma forma ou de outra. Dependendo do nível ou do clima do relacionamento, ele impacta de uma forma ou de outra nossa emocionalidade, nos fazendo experimentar um ou outro estado de ânimo.
Nosso estado de ânimo, nossas relações e o que está se passando em cada momento, ou cada situação, estão interligados. As circunstâncias e a maneira como respondemos a elas têm um impacto sobre nossa emocionalidade e nossas relações.
Esses três aspectos dos relacionamentos estão sempre funcionando em uma dinâmica. Nesse momento de pandemia que vivemos, esses três aspectos estão sob pressão e estamos sendo desafiados a desenvolver melhores habilidades para lidar com eles.
Em certos dias, tenho mais paciência ou tolerância para as diferenças, e em outros, menos. As circunstâncias podem me impactar de um jeito ou de outro, dependendo do meu estado de ânimo. Algumas relações evocam o meu melhor, outras nem tanto.
Alguns aspectos que precisamos aprender:
- Cada relacionamento tem suas características. Entender isso ajuda a não esperar de um relacionamento o que não se aplica a ele.
- Os níveis de profundidade, de intimidade ou limite de cada relacionamento não são iguais e possuem propósitos diferentes. Inclusive, podemos ser diferentes em cada relação. Por exemplo: muitos executivos funcionam em casa de forma diferente daquela como funcionam em suas empresas.
- Existem contratos subliminares em cada relação que nunca foram falados explicitamente, mas estão em vigor. Cada relação tem a sua cultura. Cada relação tem seu propósito e suas regras.
Nesse momento de pandemia, muitas regras podem estar sendo rompidas ou precisando ser revistas, porque todo o nosso cotidiano foi alterado. Portanto, relacionamentos serão revistos, descartados e incorporados, simplesmente porque muita coisa mudou e muita coisa ainda está mudando. Qualquer relação pode ser revista e recontratada de forma efetiva se soubermos conduzir esse processo com clareza e respeito.
Certos aspectos ou valores são pilares básicos para estabelecer e manter um relacionamento e para desenvolver o que podemos chamar de uma relação saudável, que se recria e revitaliza sob uma boa estrutura.
O que constitui essa estrutura favorável para uma boa relação:
- Perceber o outro como outro
- Escuta/empatia
- Confiança/intimidade
PERCEBER O OUTRO COMO OUTRO
Há duas grandes dificuldades em perceber o outro como outro. Uma delas é o medo da perda de controle. O outro não sendo eu pode ser uma ameaça. Vai me dominar? Vou dominá-lo ou vou ser dominado? Aqui, porém, surge a possibilidade de uma relação mais profunda.
Não é fácil dar liberdade ao outro de ser o outro.
O filósofo e psicólogo francês Jean Yves Leloup disse: “O amor dever ser o encontro de duas liberdades.” Como estamos nos relacionando com outra liberdade, isso implica abertura, aceitação e respeito. Quando não dou liberdade a mim mesmo para me diferenciar, para ser eu mesmo, geralmente também não dou ao outro.
A outra dificuldade em perceber o outro como outro é o fato de que não existe uma única verdade, mas verdades. É difícil aceitar que o outro tenha uma visão, uma compreensão ou um desejo diferente do meu. Quem está com a verdade? Cada um de nós percebe e interpreta através de seus próprios óculos. Alguns de nós estão dispostos a experimentar outros óculos e outros, não.
ESCUTA/EMPATIA
É a escuta empática que me permite entender o outro. A escuta empática envolve não julgamento, acolhimento. Quando estamos emocionalmente desestabilizados, estressados, irritados, nos sentindo prejudicados, não queremos escutar, não queremos acolher e, via de regra, estamos propensos a julgar. Ouvimos, mas não escutamos.
Esse tipo de escuta não gera conexão. Por exemplo: “Ouvi, sim, posso repetir tudo o que você falou.” E repete. Mas não existe conexão. Não existe presença.
O quanto você está presente em cada relação? Sem presença, a conexão fica prejudicada. Sem esse nível de escuta não existe empatia, ou seja, você não se coloca nos sapatos do outro. Essa escuta exige deixar suas ideias de lado por um tempo e escutar com interesse, curiosidade e abertura, sem já estar pensando no que vai responder.
Para entender o outro temos que aprender a indagar. Como ensina o coach executivo Fred Kofman, é preciso indagar não só para entender o que a pessoa disse, mas para entender por que ela disse o que disse. Se você não entende esse porque, não entende, de fato, a pessoa.
É preciso conhecer a cozinha do outro, a cozinha da lógica do outro. Em geral, apresentamos pratos ou ideias prontos. Apresentamos as conclusões, mas não ficamos sabendo por que o outro pensa o que pensa, ou sente o que sente. Ouvimos a conclusão, mas geralmente a pessoa não nos diz como chegou a essa conclusão, a menos que perguntemos.
Muitos detalhes de informações omitidas pelo outro, ou não perguntadas, fazem diferença na compreensão do outro ou de uma situação que influencia o relacionamento. Quando não perguntamos, os espaços em branco são preenchidos por interpretações.
Existem momentos em que não estamos bem com nós mesmos e não queremos escutar nem entender. Eu posso dizer ao outro que nesse momento não estou podendo escutar, porque preciso primeiro me escutar para me entender.
CONFIANÇA/INTIMIDADE
A confiança não surge sem a escuta, e a intimidade não surge sem a confiança. Julgamento dificulta a intimidade. Julgamento não constrói confiança nem intimidade. Você não constrói intimidade com quem lhe julga.
Como se constrói intimidade? Intimidade precisa de tempo, transparência e ternura. A confiança, para ser construída, necessita de claridade. Claridade gera confiança e intimidade. Aprendi essas coisas com Roberto Perez, filósofo e teólogo chileno.
E qual é o lugar do compromisso em um relacionamento? O nível do compromisso dá a base da confiança.
Antes de definirmos como está sendo um relacionamento, temos que examinar como está cada um desses elementos. Todos esses elementos estão sendo testados nesse momento de pandemia. Nossas relações estão sendo reavaliadas e podemos fazer novos contratos.
RELAÇÃO VERSUS CONFLITO
As relações saudáveis são relações sem conflito? O conflito deve ser evitado?
O conflito está falando que algo precisa ser esclarecido. Algo está confuso.
Quando, em uma relação, tudo está sempre bem, algo está errado. Um conflito bem conduzido pode fortalecer uma relação e, inclusive, elevá-la a outro nível.
Segundo Perez, existe existem quatro possibilidades diante de um conflito: enfurecer-se, escapar, fechar-se e dialogar. Escapar, aqui, significa agir como se nada tivesse acontecido. Fechar-se, aqui, significa emburrar, fazer gelo.
Geralmente, acontecem as seguintes dinâmicas: Quando um se enfurece, o outro se fecha ou escapa. Quando um escapa ou se fecha, o outro se enfurece.
Quando um propõe diálogo, abre um espaço de possibilidades. Às vezes, esse processo tem que acontecer para a relação ir se ajustando e as pessoas irem descobrindo o que de fato é essencial nesse vínculo. Esta é uma descoberta importante a ser feita, e é importante ter consciência dela. Porque ela define que existe um interesse comum ou propósito. Um sentido, apesar do conflito. Quando não existe mais interesse comum, sob forte conflito a relação tende a se romper.
A solução do conflito está no diálogo que gera encontro. Encontro não significa concordância de ambas as partes. Significa que podemos expressar nossas verdades, nossas diferenças, sermos respeitados como outro e ainda assim mantemos algo que dá sentido à nossa relação, algo que nos conecta apesar das diferenças.
A condição básica para um diálogo que gere encontro é não querer impor seu ponto de vista ao outro. O diálogo deve ser proposto com franqueza e objetividade. Muitas vezes, ficamos “rodeando” para falar algo e acabamos falando na hora errada, e sem clareza.
São ingredientes para resolver um conflito: escuta, transparência, cuidado com o outro, encontrar um propósito que dê sentido à relação. É preciso escutar o outro se colocando em seus sapatos. Primeiro, escute. O outro não irá lhe escutar se não se sentir escutado.
O foco é encontrar uma solução com cada um tomando sua responsabilidade, sem culpar ou se isentar de sua parte. Senão todo o foco fica na divergência e o sentido da relação fica esquecido.
O que deve ser evitado: clima de acusação. Isso cria reação e distanciamento, dificultando o diálogo.
O que não deve ser esquecido: Definir com clareza os pontos de desconforto, falar de sua emoção, mas com objetividade. Não usar lamentações, vitimizações.
Prepare-se para um diálogo: prepare-se consigo mesmo. Coloque-se em um bom estado interno, observe a situação com distanciamento, encontre local e hora adequados.
Existe um objetivo comum na relação? Defina e clarifique o valor da relação para você.
Como disse Roberto Perez, só existe uma forma de aprofundar um relacionamento: olhar o outro em sua parte que não está visível.
Berenice Kuenerz, psicoterapeuta e coach de life-businesss e mindfulness.