A Grande Renúncia é um termo criado em 2019 por Anthony Klotz, da Texas A&M, ao prever um êxodo em massa voluntário da força de trabalho. De acordo com o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, durante os meses de abril, maio e junho de 2021, um total de 11,5 milhões de trabalhadores abandonaram o emprego. Só no mês de julho, esse número foi de 4 milhões de pessoas. Pesquisas mais recentes indicam que esse movimento ainda não acabou. Uma pesquisa com mais de 30 mil funcionários conduzida pela Microsoft descobriu que 41% estão pensando em sair do trabalho. Esse número aumenta para 54% quando se considera apenas a Geração Z. A Gallup descobriu que 48% dos funcionários estão procurando ativamente novas oportunidades.
Esse cenário consequente e integrado a uma pandemia que parece perpétua traz um enorme desafio para a liderança das organizações. O custo do turnover é altíssimo para qualquer empresa, e pensar em perder até um terço de sua força de trabalho é totalmente assustador. De acordo com pesquisa da Gallup, a perda de produtividade de funcionários não engajados e ativamente desligados é igual a 18% de seu salário anual. Para uma empresa de 10 mil funcionários com salário médio de US$ 50 mil, o desligamento custa US$ 60,3 milhões por ano. A substituição de trabalhadores requer metade a duas vezes o salário anual do funcionário. Portanto, custa US$ 9 mil por ano manter cada trabalhador descomprometido, e entre US$ 25 mil e US$ 100 mil substituí-los. Sem falar que o impacto disso nas pequenas e médias empresas pode ser ainda maior, dado que departamentos inteiros muitas vezes são compostos por apenas uma pessoa.
CAUSAS DA GRANDE RENÚNCIA
As questões que impulsionam a Grande Renúncia, embora sejam múltiplas, em sua maioria giram em torno do mesmo tema. Em pesquisa realizada pelo LinkedIn, 74% por cento dos entrevistados indicaram que o tempo passado em casa – seja durante fechamentos de empresas ou trabalhando remotamente – durante a pandemia os fez repensar sua situação de trabalho atual. Muitos – mais da metade em várias pesquisas – citam o estresse e o burnout como um motivo para procurar outra posição.
É evidente que as pessoas estão reavaliando suas opções, e o burnout é citado pela maioria delas como uma das causas, o que não é surpresa. Porém, por si só, por mais profundo e generalizado que seja o esgotamento, ele sozinho não explica totalmente esse fenômeno. Até porque já existia a epidemia do burnout antes mesmo do vírus da Covid-19.
Outros trabalhadores apontam a insatisfação – e até mesmo o medo – causada por corte de custos em resposta à desaceleração dos negócios relacionados à Covid-19 como motivo para buscar outro lugar para trabalhar. Diante da pressão econômica, muitos funcionários se sentiram injustiçados com promoções e bônus congelados e demissões indiscriminadas. Como evidenciado por um estudo recente em Stanford, muitas empresas com ambientes ruins dobraram em decisões que não apoiavam os trabalhadores, como demissões, enquanto, inversamente, empresas que tinham boa cultura tendiam a tratar bem os funcionários. Além disso, a maioria das companhias não conseguiu endereçar o gerenciamento do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional dos funcionários de forma sustentável, com uma demanda crescente de entrega e horas de trabalho conectadas para compensar resultados financeiros negativos ou prejudicados em virtude da pandemia no último ano e meio.
Outras pessoas ainda fizeram avaliações em torno da verdadeira economia de uma família de duas rendas, determinando que os benefícios já não superavam os custos financeiros e emocionais. Ainda existem realidades escondidas que muitas pesquisas ainda falham em apontar. De acordo com a Harvard Business Review, os funcionários entre 30 e 45 anos tiveram o maior aumento nas taxas de demissão, com um aumento médio de mais de 20% entre 2020 e 2021. Embora a rotatividade seja normalmente mais alta entre os funcionários mais jovens, no último ano as demissões diminuíram para trabalhadores nessa faixa. O que está por trás disso? Além de todos os motivos já levantados, essa é a faixa etária na qual as pessoas têm o papel da parentalidade em suas vidas, equilibrando a vida profissional com filhos ainda não vacinados e sem escola em tempo integral. Uma em cada quatro mulheres com filhos menores de 10 anos disse que considerou deixar a força de trabalho durante a pandemia, em comparação com apenas 13% dos homens com filhos mais novos, de acordo com uma pesquisa da McKinsey & Company. As mulheres disseram aos pesquisadores que estavam cansadas de assumir mais tarefas domésticas e de cuidar dos filhos. Conforme estudo da McKinsey, o vírus está aumentando significativamente o fardo do cuidado não remunerado, que é desproporcionalmente carregado pelas mulheres.
Ou ainda, tendo que flexibilizar as rotinas quando alguma criança na sala aparece com suspeita de coronavírus e toda a turma fica em quarentena por uma semana. Além disso, muitas pesquisas não citam as pessoas que precisam cuidar de familiares mais velhos ou doentes, ou de pessoas que não podem se expor a nenhum risco. Esse grande peso e responsabilidade se soma às diversas causas desse movimento, com a realidade da responsabilidade batendo à porta. Outras pessoas finalmente decidiram começar o seu negócio dos sonhos. Muitos simplesmente se cansaram de serem subestimados e desconhecidos por líderes narcisistas e tóxicos.
As pessoas geralmente não avaliam seu trabalho durante vários dias durante o ano. Quando isso acontece, ainda existe uma grande inércia para a mudança. Porém, a pandemia obrigou as pessoas a olhar para dentro, para pensar e refletir sobre o que realmente é valorizado e o lugar que o trabalho ocupa em suas vidas. O tempo para refletir sobre o que realmente faz prosperar e quais partes da vida se quer levar para o futuro e quais partes se quer deixar para trás foi um presente da pandemia no momento de isolamento social. Seja por medo da segurança pessoal, falta de tratamento justo no trabalho, um péssimo chefe ou por falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, a Grande Renúncia é movida pelo autoconhecimento. Aqueles que saem estão simplesmente escolhendo se colocar em primeiro lugar. As pessoas não estão apenas saindo de seus empregos. Elas estão redefinindo o conceito de sucesso.
REDEFINIÇÃO DE SUCESSO
As empresas que criam ambientes de segurança psicológica onde as pessoas se sintam seguras, valorizadas e capacitadas para fazer suas próprias escolhas para prosperar integralmente têm uma grande chance de manter os funcionários. Alison Omens, diretor de estratégia da Just Capital, afirma que “os dados ao longo dos anos sempre mostraram que o que mais interessa às pessoas é como as empresas tratam seus funcionários”. Isso é medido de várias maneiras, incluindo salários, benefícios, oportunidades de progresso, segurança e compromisso com a igualdade.
Os três motivos mais comuns pelos quais a Gallup descobriu que os funcionários não se envolviam no trabalho foram:
- Não ver oportunidades de desenvolvimento;
- Não se sentir conectado ao propósito da empresa;
- Não ter relacionamentos fortes no trabalho.
As pessoas estão em busca de transparência e confiança. Precisam que os líderes entendam que a economia que gira em torno desse novo modelo de trabalho exige habilidades de liderança diferentes, que gerem confiança, comunicação e compromisso sem microgerenciamento. As pessoas também querem trabalhar em empresas que se orgulham, que tenham causas com as quais se identifiquem. Organizações que se envolvem com a comunidade, entendendo seu papel integral na sociedade, são aquelas mais admiradas e com menos risco de sofrer as consequências desse movimento.
Há algo mais profundo na essência da Grande Renúncia: a redefinição coletiva de sucesso, em consequência do isolamento da pandemia. Quando olhar para dentro tornou-se inevitável, os conceitos universais de sucesso também foram questionados. O sucesso agora é definido por um novo conceito de “eu”, que assume sua totalidade, acolhendo todas as áreas da nossa vida e não mais dividido entre pessoal e profissional. A compreensão de nossa integralidade impacta o conceito de sucesso, com foco em valores, propósito e bem-estar para viver uma vida mais gratificante e próspera e sem a pressão do status e conta bancária recheada como símbolos de sucesso.
Ao repensar o conceito do sucesso, existe a oportunidade de repensar a maneira como trabalhamos e vivemos. As pessoas estão despertando para o valor de viver uma vida que lhes permite conectar-se com elas mesmas, nutrir relacionamentos positivos e produtivos e nutrir seu bem-estar. O sucesso não vem mais com o custo do burnout associado. As empresas que perceberem esse movimento e rapidamente endereçarem a gestão para transformar a cultura de forma intencional para acolher seus funcionários de forma integral terão menos probabilidade de sofrer com perda de parte fundamental da sua força de trabalho.
A LIDERANÇA HUMANA
Os líderes mais conscientes hoje estão revendo seus paradigmas de gestão, reservando um tempo para perguntar regularmente e formalmente aos funcionários o que está ou não indo bem enquanto navegam neste momento. Além de ouvir, a liderança com maior sucesso está agindo baseada no feedback das pessoas, colocando as pessoas em primeiro lugar, sem abandonar a razão, a lógica e os resultados.
Apesar de a Grande Renúncia representar uma grande disrupção nos modelos de gestão das organizações, ela também representa uma grande oportunidade. Rever o paradigma do comando e controle da liderança é um dos grandes benefícios da gestão da liderança humanizada. Continuamente, pesquisas demonstram que um dos fatores que mais afeta o bem-estar dos funcionários é a cultura de cuidado, que inclui confiança, respeito e equidade. Estes são elementos básicos para criar ambientes com segurança psicológica, onde indivíduos possam prosperar integralmente e, consequentemente, atingir um estado de bem-estar físico, mental, social e financeiro. Ao buscar criar um modelo de trabalho mais inclusivo, todos se beneficiam e esse movimento ajuda a empurrar as empresas para o futuro do trabalho que chegou mais rapidamente do que o imaginado.
Como líder, a responsabilidade de fazer o que é melhor para nós mesmos, para os outros e para o mundo é a maior oportunidade da Grande Renúncia. Isso envolve o desenvolvimento do autoconhecimento do próprio líder, que pode rever seu modelo de liderança, as políticas da sua empresa e criar processos mais inclusivos, a fim de criar um mundo melhor não só para si mesmo, mas também para as pessoas à sua volta, para sua comunidade e para o mundo. A liderança começa por dentro, por quem você é. Dessa forma, olhar para dentro promove o autoconhecimento do líder que, como uma pequena gota d’água no oceano, promove o efeito cascata que reverbera mudanças positivas até onde os olhos não conseguem mais enxergar. A gota d’água pode ser pequena, mas o efeito cascata pode ser tão grande e de alcance tão longo que é difícil calcular o impacto total.
Tonia Casarin é consultora de liderança, com foco em transformação humana, além de pesquisadora, palestrante e escritora, autora de Tenho monstros na barriga (edição independente) (https://www.linkedin.com/in/toniacasarin/).