Ao longo dos séculos, a iminência do fim do mundo vem sendo temida por pessoas assombradas por catástrofes, sejam elas reais ou anunciadas. Nos tempos atuais, a pandemia e a mudança climática são exemplos de eventos que dão margem a previsões tenebrosas. Na contramão dos “porta-vozes do apocalipse” um grupo de pensadores vem alertando para o perigo dessa visão ideológica e de sua apropriação econômica e política. São analistas que estão sendo chamados de contra-apocalípticos.
Filósofa e teórica cultural, a britânica Joanna Zylinska afirmou ao El País que o movimento contra-apocalipse quer “oferecer uma ideia de remobilização, tentar dar visibilidade a outro tom e outra forma de enfrentar as dificuldades e fragilidades, encarando a realidade da precariedade.” Para Zylinska, a narrativa apocalíptica leva à desmobilização social e política. “A prova é que a maioria dos jovens está paralisada diante da ideia da mudança climática, de que é tarde demais para tudo”, disse ela.
Autora do livro Facing apocalypse: climate, democracy and other last chances, a teóloga americana Catherine Keller alertou, por sua vez, que é preciso se contrapor ao discurso fatalista que “surge da união entre a política financeira e a religião ultraconservadora”. Deve-se descobrir o que está por trás “dessas políticas econômicas ferozes, tão gananciosas que estão dispostas a destruir o planeta”, afirmou.
Segundo Keller, o movimento contra-apocalíptico “busca uma mudança sistêmica pautada pela noção de possibilidade, como nos mostra o caso da condenação da Shell”. Aqui ela se refere ao fato de a Shell ter sido julgada por não modificar seu modelo de negócio a fim de combater a mudança climática. A ação foi movida por um grupo que saiu vitorioso: recentemente, juízes deram à empresa um prazo de dez anos para reduzir em 45% suas emissões de carbono.
A PANDEMIA COMO TERRENO FÉRTIL PARA O DISCURSO APOCALÍPTICO
Para os contra-apocalípticos, a catástrofe do fim do mundo leva à inação, mas é apenas uma narrativa possível. Eles afirmam que o futuro não está decidido e que se pode mudar a ordem descrita pelo filósofo italiano Franco Bifo Berardi em Futurabilidad: uma ordem que “dá lugar a um pensamento, uma imaginação e um conhecimento sujeitos às regras do ganho econômico e da violência, que estão atreladas à ideia de resignação, sacrifício e destruição”.
Em sua obra, Berardi diz que “o poder é a agência que reduz o campo de possibilidades a uma ordem prescritiva”. Neste sentido, o poder é um determinismo produzido na nossa imaginação social, moldada pela chantagem da superstição. A sociedade da pandemia e da vigilância seria um terreno fértil para o discurso do apocalipse.
“A diferença é que agora essa fantasia se acelerou e o fim do mundo não se detém no último minuto, como vimos em tantos filmes”, analisou o teórico de comunicação espanhol Aarón Rodríguez Serrano. “Agora há menos utopias e as histórias mais pessimistas assumem protagonismo. Para o bem ou para o mal, a pandemia nos demonstrou que nosso sistema simbólico é muito frágil.”
Ele acrescentou: “No Ocidente temos uma relação complicada com a realidade, e com a pandemia essa realidade – a doença, a velhice, a morte ou a complexidade das relações com os outros – nos colocou em casa e não sabemos até que ponto. É um tempo novo.”