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Projeto em favela do Rio é exemplo de combate à Covid

Se dependesse da comunidade da Favela da Maré, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, não seria preciso uma CPI para mostrar que muito menos gente poderia ter morrido de Covid-19 no Brasil. Implantado ali em julho do ano passado, o projeto Conexão Saúde reduziu em quase 90% o número de óbitos causados pelo coronavírus. A proeza foi realizada em quinze semanas, numa área de 140 mil habitantes.

“Na ausência do Estado, quem está agindo são os pesquisadores, moradores, ONGs, a sociedade civil”, disse à BBC News Brasil o infectologista Fernando Bozza, pesquisador da Fiocruz e um dos idealizadores do projeto.

O Conexão Saúde reúne pesquisadores da Fiocruz, Redes da Maré, Conselho Comunitário de Manguinhos, SAS Brasil e Dados do Bem. Este último é um aplicativo que permite a testagem gratuita, uma das quatro frentes de atuação do programa. São oferecidos ainda atendimento médico e psicológico por telefone, cestas básicas e orientação para garantir o isolamento de infectados.

Equipes de campo formadas por moradores circulam pelas ruas com megafones, divulgando os serviços gratuitos oferecidos e informando onde procurar ajuda. Também são produzidos folhetos, jornal, faixas e conteúdo para WhatsApp e redes sociais.

 

PROVA DE QUE O ISOLAMENTO EM FAVELA É VIÁVEL

Foi graças à iniciativa que David do Nascimento, 24 anos, funcionário de uma microloja de conserto de celulares, sobreviveu ao coronavírus. Ele morava com a mãe e o irmão num cubículo, e se apavorou quando começou a sentir os sintomas da gripe. Como se ausentar do trabalho que garante o sustento da família? Sua mãe, contudo, já tinha ouvido falar no Conexão Saúde pelos vizinhos e pela internet.

De saída, Nascimento foi orientado a agendar o teste, pelo Dados do Bem. “A partir daí, começaram a cuidar de mim”, contou. O jovem recebeu um oxímetro, um kit com produtos de higiene e passou a ser orientado por médicos pelo telefone. Ao meio-dia, chegava em sua casa uma quentinha suficiente para alimentar quatro pessoas. “Ter o que comer me tranquilizou”, disse.

Assistentes sociais sugeriram a sua mãe morar uns tempos com a avó de David. O irmão se mudou para a casa da namorada. Isso foi decidido após uma avaliação da casa, que atestou a necessidade de criar condições de isolamento. David ficou na companhia de um amigo também contaminado pelo vírus.

“Eu tinha o maior preconceito, achava que terapia era coisa para doido. Mas o atendimento psicológico foi uma das melhores coisas para mim nesse período de isolamento”, admitiu.

Além de salvar vidas, portanto, o projeto demonstra que é viável fazer isolamento em comunidades caracterizadas por aglomeração não só de moradias, mas também de pessoas dentro delas. Mesmo com o recrudescimento da pandemia, a Maré mantém médias inferiores às do resto da cidade.

 

ISOLAMENTO POR PELO MENOS DUAS SEMANAS

Em julho de 2020, quando o Conexão Saúde entrou em ação, o coronavírus estava matando 19% dos infectados na Maré, enquanto o índice no restante da cidade era de 11,9%. Quatro meses depois, o índice de óbitos na favela havia despencado para 2,3%, proporção equivalente às médias nacionais.

A queda no contágio do vírus teve início depois que 96% dos infectados passaram a ficar isolados em casa por pelo menos duas semanas. “As pessoas vivem em situações precárias de moradia, mas é possível gerar condições de conter a pandemia mesmo nessas localidades”, assinalou Luna Arouca, coordenadora da Redes da Maré.

Em janeiro, o índice de óbitos voltou a subir, chegando a 188 para cada 100 mil habitantes. Mas, mesmo sendo registrado numa das favelas mais pobres da cidade, manteve-se abaixo do índice geral da cidade do Rio de Janeiro – 359 mortes para cada 100 mil habitantes.

“Nós mostramos que é possível fazer entrega (de alimentos e testes), fazer o isolamento, testagem em massa e idealizamos toda a logística”, enumerou Arouca. “Mas é responsabilidade do poder público fazer isso. Estamos fazendo esse trabalho por conta da ausência do Estado.”

Nos primeiros três meses os recursos foram obtidos com o Fundo Todos pela Saúde, do Itaú-Unibanco. O sonho dos idealizadores do projeto é que iniciativas como essa sejam incorporadas ao Sistema Único de Saúde e levadas a outras favelas do Brasil.

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