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A reinvenção da roupa num mundo de consumo consciente

Há uma analogia entre shopping centers e igrejas que é bem conhecida. A ideia é de que, se antigamente as pessoas se reuniam em lugares sagrados para cultuar divindades, o capitalismo trouxe o culto ao consumo como um substituto capaz de satisfazê-las. E os shoppings se tornaram os templos contemporâneos, multiplicando-se pelo mundo inteiro nas últimas quatro ou cinco décadas. A pandemia trouxe consigo, porém, um grande questionamento sobre o consumo. E a roupa – essa inquestionável vedete de consumo no mundo inteiro – vem sendo repensada como produto, moda, fetiche, vaidade e necessidade. Será preciso reinventá-la?

Em tempos de isolamento social, o consumo de roupas perde relevância no mínimo porque as pessoas estão se expondo menos. Vamos menos às ruas, a festas, e as reuniões de trabalho são por vídeo. Mas, passado esse período de reclusão, será que o culto à moda voltará a ser o mesmo? Será que os shoppings – com seus ambientes refrigerados e propícios à contaminação – vão ruir? Será que grifes famosas perderão importância? Será que o glamour deixará de fazer sentido?

A pandemia está pondo a roupa em cheque e reforçando estilos de vida orientados por um consumo mais consciente em termos sociais, econômicos e ambientais. O caminho indicado passa por uma relativização da importância dada à vestimenta. Em sua essência, a roupa é uma proteção para o corpo. Mas é também aparência, conforto e identidade cultural.

Uma tendência forte apontada por especialistas é o consumo de marcas que agregam valores e se mostram antenadas com uma sociedade mais inclusiva e ambientalmente responsável. O consumidor consciente não quer usar uma roupa produzida à custa de exploração de mão de obra, ou de danos ao meio ambiente. Aqui, sustentabilidade é uma palavra-chave.

 

O MARKETING QUESTIONADO

É claro que, antes mesmo da pandemia, muita gente já vinha questionando hábitos de consumo, inclusive no mundo fashion. Um bom exemplo é o profissional de marketing de moda André Carvalhal, que, “desacreditado do funcionamento da moda como um todo” – como disse ao site Metrópoles – partiu à procura de uma moda sustentável e ajudou a criar a Ahlma, uma marca dita vegana. Adeus couro, lã, seda e demais materiais de origem animal. Outra característica da marca é o reaproveitamento de sobras de matéria-prima, ainda que tenham gerado impacto ambiental.

Lá se vão três anos desde que a Ahlma foi criada, mas a busca de um mercado mais humano continua forte na cabeça de Carvalhal, que tem defendido suas ideias em livros, cursos, palestras, consultorias a empresas e colunas na imprensa. Na Carta Capital, ele escreveu recentemente sobre a dificuldade de profissionais de marketing lidarem com os efeitos da pandemia. Torcendo para que o discurso mude, recomendou transparência.

“O marketing deveria ter o papel de entender e atender a necessidade de um determinado público”, afirmou. “Na contramão, se tornou extremamente egoísta, sempre interessado em vender um peixe. Marcas deveriam promover conversas acerca de seus produtos para identificar necessidades de mudanças.”

Já a professora de design de moda Madeleine Muller observou, em coluna no porto-alegrense Correio do Povo, que mais de 500 milhões de dólares são perdidos anualmente no mundo devido à subutilização de roupas e à falta de reciclagem (dados da Ellen McArthur Foundation). E emendou: “As empresas que não se derem conta, vão perder o trem da nova economia consciente. Quanto a nós, consumidores, que temos o poder de validar ou boicotar uma marca, sejamos racionais nas compras. Vamos parar de desperdiçar recursos preciosos e usar aquilo que realmente precisamos. Ninguém precisa de um guarda-roupa abarrotado para ser feliz. Esse confinamento mostrou que podemos viver com menos e que há coisas muito mais importantes na vida. E elas não são coisas….”

Bruno Casotti é jornalista e tradutor.

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