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A dor e a delícia da quarentena no campo

No começo da quarentena, quando me perguntavam como eu estava, a resposta quase sempre passava pela constatação de que para quem já vivia meio isolado não mudara muita coisa. Mas muda. De todo modo, estar no campo é um privilégio, sim. É poder caminhar em estradas e trilhas vazias. E quando encontro alguém, em geral é algum conhecido com quem troco às vezes boas palavras. Conversar no portão se tornou um hábito até mais comum por aqui. A pelo menos dois metros de distância, por favor.

A relação com a quarentena provavelmente pode ser boa na cidade ou na serra. Ou na vida. Passa sempre por estar bem consigo mesmo, mas também num ambiente onde se sinta bem. E a presença da natureza me enche de prazer. Ouvi há tempos uma constatação local que levo comigo: aqui se convive melhor e mais de perto com os quatro elementos: o ar puro, a água clara dos rios, a terra que projeta um verde fabuloso e o fogo da lareira, ou do fogão de lenha, ou da fogueira comungada com amigos. A pelo menos dois metros de distância, por favor.

Mas também vamos ao mercado de máscara e munidos de álcool gel. E tem que lavar tudo quando chega em casa? Tem. Mas alguns produtos você não precisa lavar, disseram. Pode deixar pelo menos três dias do lado de fora, se possível ao sol, e depois guardar. E aqui tem quintal, o que facilita. E está dando tangerina, o que também facilita. O manacá floriu. A vizinha amada tem uma horta bonita e é generosa. O vizinho colheu um mel bom. E a dona Ana faz um queijo excelente. Tudo isso facilita.

Mas tem a distância. Ai, a distância. Tem gente querida longe, mas é melhor ficar quieto, segura a onda. Nada de viagem. Não tem mais conversa de botequim, Noel. A roda de samba acabou, Chico. Mas tem boa música e boa leitura em casa, sempre em casa. Tem Live, Netflix e conversas agradáveis ao telefone, algumas com vídeo. E o fim de tarde anda bem bonito. Viu a lua?

Embora restrita, a convivência pessoal é mantida. Estamos isolados e juntos. Meia dúzia no máximo, por favor. A preocupação é com a chegada de gente de fora, ando fugindo de turista. Será que trazem o vírus? Vieram de São Paulo, imagina! Algumas pousadas reabriram com as devidas regras de higiene e limite de ocupação, mas de onde é que vem essa gente que não sabe ficar em casa? Bem, sempre tem os dois metros de distância para facilitar. E a máscara. E a relação com a natureza. Esta continua imbatível.

Bruno Casotti é jornalista, tradutor e autor do livro de crônicas O dom da vaca (Ibis Libris).

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